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MÚSICA | Revisitando Omelete Man, de Carlinhos Brown com Marisa Monte.

Por tOn Miranda

Em março de 2019, Carlinhos Brown relançou nas plataformas digitais o seu segundo álbum da sua carreira solo que foi produzido por ninguém menos que Marisa Monte, sua grande amiga e parceira musical.

O álbum tinha sido lançado em 1998 com o título de OMELETE MAN, esse brasileiro com uma visão universal e global do mundo e para o mundo.

Além da produção, Marisa também é ouvida em alguns vocais de algumas músicas ao longo do disco e em Busy Man (que hoje em dia é mais conhecida como Sem Você) ela divide os vocais com o amigo.

Vasculhando minhas coisas antigas dessa época, achei uma raridade: um release que Marisa escreveu para o lançamento do álbum em 1998. Como foi gostoso revisitar o disco com suas palavras e lembranças do processo criativo. Com isso resolvi reproduzir na íntegra esse release e compartilha-lo com vocês. Divirtam-se!

“Carlinhos Brown sempre me surpreende. Com rigor estético, ele trabalha a música como se ela fosse massa plástica, matéria-prima a que ele dá forma e cor com as mãos, enquanto toca ou rege.

E assim, como materializa a música, abstrai na poesia de suas canções. Faz com que os múltiplos sentidos superem a lógica.

Sua arte é tátil, visual, auditiva, mais sensorial do que racional.

Ela nos alivia da razão, nos faz sonhar…

Começar eu não sei bem por onde começou esse disco. Mas me lembro muito bem de uma série de encontros na Bahia, ainda antes do Cor-de-rosa e Carvão, onde eu, atordoada diante de tantas músicas lindas, tentava relacioná-las, lista-las, classifica-las, separar por temas, assuntos e reagrupa-las em “famílias”. Tenho ainda essas notas. Isso foi em 93, talvez 94. Lembro-me que foram várias noites ouvindo Carlinhos desfilar umas 30 canções. Entre elas já estava a música Omelete Man, além de Segue O Seco e Maria de Verdade que eu viria a gravar.

O mundo deu muitas voltas, uns discos, uns shows, e alguns carnavais depois, em 96, o Carlinhos veio morar na minha rua no Rio. Essa proximidade foi fundamental para o início de um período de encontros frequentes, muitas vezes diários, quase sempre noturnos, às vezes na sala com violões e percussões, mas geralmente na garagem, onde junto com Davi (Moraes) e Dadi (nosso vizinho também) eu ia me atualizando na produção de C.B. Eram agora umas 90 músicas.

Algumas delas foram se tornando frequentes, parte do nosso repertório particular que gostávamos de aprender e tocar sempre. Carlinhos conversava sempre comigo sobre seu novo disco e eu tentava ajuda-lo a montar uma equipe adequada, um repertório que o representasse bem, um plano, um cronograma… E assim Brown me propôs essa nova parceria.

Conversa vai, conversa vem, chegamos aos dois coprodutores: Tom Capone, homem de concepção arrojada em matéria de som e Andres Levin, com quem já havíamos trabalhado nos Projetos da Red Hot Organization e que faria a ponte com músicos, técnicos e estúdios em N.Y. Das 90 músicas chegamos a 15. Cada uma delas vale por seis, e juntas espelhas as referências e a identidade musical de C. B. Omelete Man por natureza, por simbiose com seu meio, com seu passado, com sua geração e que evolui e expande com mestiça personalidade.

A maioria das gravações desse disco ocorreu entre abril e maio no Rio de Janeiro e Salvador. No Rio, algumas bases foram feitas com Davi na bateria, Dadi no baixo e Carlinhos na guitarra como o power trio na garagem. Outras tiveram Carlinhos tocando bateria, baixos, guitarras, além de percussões, e ainda em uma, Davi no baixo, consequência natural das nossas noites musicais, onde todos sempre revezavam os instrumentos.

Partimos então para Salvador. Lá optamos por várias formações diferentes. No studio WR (por onde passou toda a história da música baiana), estiveram naquela semana Luis Caldas com Acordes Verdes, sua banda nos anos 80’s época do seu estouro fenomenal, precursor do pop baiano do qual C. B. fazia como percussionista. Vieram gravar Faraó.

Com Sonora Bagaceira, a sua banda, Carlinhos gravou Amantes Cinzas, dele e do Arnaldo Antunes, uma música que já nasceu com uns 50 anos, parecendo um clássico de carnaval dos anos 40. Com a Banda Militar da Base Aérea da Aeronáutica, que todo ano acompanha a reza, nas festividades de Santo Antônio, no Candeal, bairro de C.B. nasceu e se criou em Salvador, ele registro o Hino de Santo Antônio, seu trecho preferido da novena em sua sonoridade tradicional.

Do jovem movimento de bandas de rock and roll da Bahia, a presença de Dois Sapos e Meio, trio da pesada que tocou Cachorro Louco, junto com o coro da galera dos Zarabes, bloco de carnaval masculino que, liderado por Brown, desfila pelas ruas de Salvador sempre correndo, em apresentações relâmpago e surpresa.

De volta ao Rio, gravamos cordas em Hawai e You e Cold Heart com arranjos de Jaquinho Morelembaum e fizemos novas bases com formações variadas.

Irará, com uma percussão coletiva, à qual C.B. adicionou violões e vozes. Mãe Que Eu Nasci, com o regional Época de Ouro, que, junto com a letra de Carlinhos, propõe uma leitura familiar para a canção já gravado pela diva dos pés descalços, a cabo-verdiana Cesária Évora; e Músico, regida e arranjada, com classe e experiência pelo Maestro Chiquinho de Morais em mais uma viagem no tempo.

Grande parte do disco estava na fita, era final de maio, e partimos para os EUA, onde ficaríamos todo o mês de junho para finalização.

Em N.Y. além de encontrar técnicos de mixagem únicos como Bruce Swedien (preferido de Michael Jackson, Quincy Jones) e Cris Shaw (Public Enemy), buscamos também um diálogo com músicos e arranjadores locais.

Daí a presença de Nile Rodgers, guitarrista do Chic e produtor de vários discos (entre eles Like a Virgin, de Madonna) tocando guitarra em Tribal United Dance.

De Bernie Warell, lendário tecladista do Funkadelic, com seu swing inigualável em Vitamina Ser. Das cantoras Diva Gray e Tawatha Agee, também do Chic, com o seu inconfundível timbre de “Freak Out” em Busy Man

De Eumir Deodato tocando Hammond B3, escrevendo e regendo em Soul By Soul, e de Grey Cohen no arranjo para cordas e metais de Water My Girl.

E assim muitos dias de nossas vidas viraram 43 minutos de música, uma retribuição sonora para um mundo de Omelete People, onde quem não fala inglês se comunica mesmo em broken english.”

Marisa Monte

Outubro/ 98.

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