“Se nessas histórias a realidade e o absurdo se entrelaçam, é porque, no Brasil, o fantástico é lugar comum. Já disse que o Brasil é o país que desmoraliza o absurdo, porque o absurdo acontece. E não é possível entender e espelhar a nossa realidade dentro das regras do realismo puro”
GOMES, Dias, Mayra. GOMES, Dias, Luana. (orgs). Dias Gomes. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2012.
O baiano Dias Gomes (1922-1999) foi dramaturgo, romancista e autor de telenovelas de sucesso. Dias Gomes foi também membro da Academia Brasileira de Letras, instituição literária fundada no Brasil em 1897 e que tem por principal objetivo a valorização da língua e da literatura brasileiras. É composta por 40 escritores brasileiros e 20 escritores estrangeiros, cuidadosamente eleitos e que permanecem fazendo parte da Academia mesmo após a morte, por isso são também conhecidos como “imortais”. Dá para imaginar então a importância das obras destes imortais da Academia. Dias Gomes é um deles.
Foi ainda em 1935, com apenas 13 anos de idade, que Dias Gomes se mudou com a família de Salvador para a cidade do Rio de Janeiro onde estudou e fez carreira. Dentre suas obras, destacam-se “O pagador de promessas”, “Roque Santeiro”, “O bem amado”, “Saramandaia”, “O santo inquérito”, “Zeca Diabo”, “Carga pesada”, entre outros.
Dias Gomes: os primeiros passos de um escritor
Aos 15 anos de idade, Dias Gomes escreveu sua primeira peça, “A comédia dos moralistas”, com a qual ganhou seus primeiros prêmios. Anos mais tarde encantaria Procópio Ferreira (um dos atores mais importantes da história do teatro brasileiro) com “Amanhã será outro dia”. Mas foi com “Pé de cabra” que Procópio Ferreira e Dias Gomes instituíram sua primeira parceria. A peça foi censurada no dia da estreia, acusada de conter forte conteúdo marxista. Tempos depois, com alguns cortes, a peça foi levada à cena pelo próprio Procópio, alcançando grande sucesso de público e crítica.
Ainda na década de 1940, Dias Gomes assinou um contrato de exclusividade com Procópio Ferreira, tornando-se o escritor do grande ator. Entre outras peças, destacam-se nessa época, “Zeca Diabo”, “Dr. Ninguém”, “Eu acuso o céu”, “João Cambão” e um “Um pobre gênio”.
Depois de romper a parceria com Procópio em razão de divergências políticas, Dias Gomes passou a se dedicar ao rádio, outro espaço em que adquiriu grande importância como autor. Foram mais de 500 peças de teatro, de diversos autores, adaptadas por Dias Gomes para o rádio.
Em 1960 Dias Gomes voltou ao teatro com aquele que se tornou talvez o maior sucesso de sua carreira, “O pagador de promessas”, posteriormente adaptada por Anselmo Duarte para o cinema. Vale dizer que Anselmo Duarte é um dos maiores nomes do cinema brasileiro. Com este filme ele conquistou a primeira indicação de uma obra brasileira ao Oscar. Foi também com este filme que Anselmo Duarte levou a sua primeira Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1962. O filme entrou para a história da arte brasileira com a emblemática presença de Leonardo Villar (1923-2020) como Zé do Burro. O sucesso dessa obra de Dias Gomes voltou à pauta em 1988, com a produção de uma minissérie de grande sucesso pela Rede Globo de Televisão. No papel de Zé do Burro, José Mayer.
Dias Gomes teve vários textos censurados no teatro e na televisão durante os anos da Ditadura Militar, dentre eles, “O berço do herói” que, depois de adaptado para a televisão, recebeu o nome de “Roque Santeiro”. Esta novela, também censurada na televisão (assim como havia acontecido também no teatro) só voltou à grade de programação da Rede Globo em 1985.
Durante 10 anos (entre 1969 e 1979), Dias Gomes se dedicou exclusivamente à produção de conteúdos dramatúrgicos para a Rede Globo de Televisão. Uma curiosidade sobre este período é de que é dele a primeira novela em cores do Brasil, era “O bem amado”, exibida com enorme sucesso em 1973.
Saramandaia e o realismo fantástico latinoamericano
Em 1976 mais um sucesso é levado a público pela Rede Globo, era Saramandaia, obra apoiada na narrativa do realismo fantástico, muito em voga na literatura latino-americana.
A principal característica do realismo fantástico – corrente literária surgida no século XX – é o encontro entre o universo mágico e a realidade apresentando-o como algo cotidiano e corriqueiro. Como já dito, o realismo fantástico esteve muito presente na literatura latino-americana e tem entre seus expoentes, Gabriel Garcia Marquez e Júlio Cortazar, entre outros.
“Saramandaia” foi regravada em 2013 pela própria Rede Globo. Foi a terceira novela a ocupar o horário das 23h da emissora, tendo vindo após dois remakes de grande sucesso, Gabriela em 2012 (que teve sua primeira gravação pela emissora em 1975) e O Astro em 2011 (que teve sua primeira gravação também pela emissora em 1977). A gravação de 2013 de “Saramandaia” contou com um elenco de grandes estrelas, dentre eles, José Mayer como Zico Rosado, Lilia Cabral como Vitória Vilar, Tarcisio Meira como Tibério Vilar, Vera Holtz como Dona Redonda, Fernanda Montenegro como Cândida Rosado, entre outros.
Na década de 80, Dias Gomes voltou a se dedicar primordialmente ao teatro e, nos anos 1990, dedicou-se exclusivamente a escrita de minisséries.
Dias Gomes: a vida pessoal
Sobre a vida pessoal, Dias Gomes foi casado com a também dramaturga e escritora de telenovelas Janete Clair, entre 1950 e 1983 e com quem teve quatro filhos. Já viúvo, casou-se com a atriz Bernadeth Lyzio em 1984, com quem viveu até sua morte em 1999. Com Bernadeth teve duas filhas, uma delas também escritora, Mayra Dias Gomes.
Dias Gomes morreu em 1999 em um acidente de carro na avenida Nove de Julho, em São Paulo. Dias Gomes voltava da apresentação da ópera Madame Butterfly, de Puccini, dirigida por Carla Camurati.
Dica de leitura sobre vida e obra de Dias Gomes
As dicas de leitura ficam por conta de duas obras sobre Dias Gomes.
A primeira é “DIAS GOMES – Coleção Encontros”, organizado pelas filhas Luana e Mayra Dias Gomes e publicado pela editora Beco do Azougue, em 2012.
A segunda é “DIAS GOMES: Um dramaturgo nacional-popular” da professora e pesquisadora Iná Camargo Costa. Esta obra foi publicada pela editora UNESP, em 2017.
Há outras dezenas de trabalhos – inclusive acadêmicos – sobre o autor. Vale a pesquisa para conhecer uma obra que é a cara do Brasil.