NO MÊS EM QUE SE COMEMORA OS 70 ANOS DA TV NO BRASIL, O CANAL DIVERSÃO & ARTE REUNE 10 ARTISTAS DE DIFERENTES GERAÇÕES PARA FALAREM SOBRE SUAS MEMÓRIAS COM A TELEVISÃO | ESPECIAL

Por tOn Miranda e Bia Ramsthaler

A televisão, esta jovem senhora, completa em setembro 70 anos de sua chegada ao Brasil e para comemorar, convidamos Malu Mader, Marcelo Serrado, Denise Del Vecchio, Alcides Nogueira, Matheus Nachtergaele, Isabel Fillardis, Júlio Oliveira, Marcos Pasquim, José Rubens Chachá e Marisa Orth para compartilharem suas memórias conosco

Não dá para olhar para os 70 anos da TV brasileira e não reconhecer sua importância no campo social brasileiro. Há que se destacar também os desafios frente as profundas mudanças impostas pelo avanço tecnológico que, entre outras coisas, alterou o modo de fazer, de criar e de consumir o conteúdo televisivo.

Não foi diferente com outros meios. A música por exemplo, viveu os áureos tempos da era do rádio, tornou-se colecionável com a produção de LPs, que foram substituídos pelos CDs, que por sua vez deram lugar aos arquivos em MP3 que foram, posteriormente, absorvidos pelo consumo de áudio em plataformas streaming. Mas vale aqui destacar que o rádio, muitas vezes apontado como fadado ao desaparecimento, resistiu, transformou-se e manteve seu protagonismo no decorrer dos séculos XX e XXI e aqui estamos hoje consumindo podcasts apoiados e inspirados na forma recorrente de “fazer rádio”. Em um país continental, onde a luz elétrica ainda é considerada um privilégio dos que podem pagar por ela, o rádio a pilha continua sendo uma forte opção para o consumo da notícia e das práticas culturais.    

A TELEVISÃO ENCONTRA O TEATRO

Bia Ramsthaler, apresentadora do Canal Diversão & Arte, publicou um livro em 2016 (editora Appris), intitulado “Comunicação e Cultura: diálogos e tensões por trás da cena” em que dedica um capítulo para a televisão e a sua relação com o campo cultural brasileiro, especificamente com o teatro. Ela aponta que a televisão, por sua força e protagonismo no cenário brasileiro, criou um certo tipo de dependência da visibilidade midiática nociva para o teatro e para o ator brasileiro. Um círculo vicioso que tem no centro da relação do teatro com o público, o patrocínio e a imprensa impõe às produções a necessidade do ator de fama televisiva como condição para o sucesso de bilheteria (público), o interesse do patrocínio (financiamento) e a condição para divulgação da peça (imprensa). Em meio a este espaço de disputas, o artista se firma como a grande e mais valiosa peça da relação da televisão com a história e a sociedade brasileira. Sem o artista que escreve, que dirige ou que atua, não há televisão.

Veja este trecho do livro: “A mídia brasileira, em especial a televisão aberta, vem atribuindo valores e criando embates importantes que devem ser trazidos à luz no que diz respeito à apropriação dos fazeres culturais. Deles, aqui se destaca a relação da televisão aberta com o teatro. É preciso reforçar que essa relação já é histórica, povoada pelo teleteatro presente no início das transmissões televisivas nos anos 1950, e seguida pela telenovela (data de 1951 a primeira telenovela, “Sua vida me pertence”, transmitida pela TV Tupi de São Paulo). Era a época da consolidação de uma linguagem televisiva nascida da relação com o teatro e a literatura, criando bases ficcionais sólidas, que deram origem ao produto de entretenimento mais importante da história da televisão brasileira: a telenovela”

OS ARTISTAS FALAM SOBRE A TELEVISÃO

Se a telenovela é o mais importante produto de entretenimento da história da televisão no Brasil, nada melhor do que passarmos a palavra a quem produz conteúdo televisivo de qualidade e que vivenciou, em diferentes tempos, a incrível experiência de “fazer televisão”.

O Canal Diversão & Arte reuniu através do Whatsapp (e a tecnologia se impõe mais uma vez!) um timaço de artistas de diferentes gerações e com diferentes relações com a Televisão Brasileira. Perguntados sobre como que eles viam, em tempos de YouTube, streaming e TV On Demand, a importância da programação da Televisão Brasileira ao vivo, eles foram incríveis em suas respostas. Também quisemos saber deles qual o momento mais marcante na história artística deles na televisão. Foram convidados o dramaturgo e telenovelista Alcides Nogueira, o ator, produtor e diretor Júlio Oliveira, a atriz e diretora Malu Mader, o ator Marcos Pasquim, o ator Marcelo Serrado, a atriz Denise Del Vecchio, a atriz e cantora Isabel Fillardis, o ator e dublador José Rubens Chachá, a atriz, humorista e cantora Marisa Orth e o ator e diretor Matheus Nachtergaele. Este encontro entre vozes, histórias e gerações, não poderia ter dado melhor resultado. Confira.

ALCIDES NOGUEIRA (dramaturgo e telenovelista da Rede Globo)

Alcides Nogueira é um dos novelistas e dramaturgos com a carreira mais celebrada no Brasil. Parceiro de diversos outros autores, tem em sua coleção de novelas sucessos que arrebataram o imaginário do público brasileiro, como o remake de O Astro, de Janet Clair, que rendeu à Globo o Emmy Internacional de melhor telenovela em 2012.

AN – O Streaming, a TV On Demand e o YouTube são plataformas que vieram para ficar, elas foram profundamente impactantes e conseguiram fidelizar muita gente. As pessoas hoje usam e abusam dessas plataformas. Eu gosto muito também. Acesso muito essas plataformas, não só as de audiovisual, mas também as de música e podcast. Com relação ao conteúdo, acho que não houve uma grande perda para a telenovela ou para as minisséries. O espectador brasileiro é muito fiel ao formato da novela. É um formato muito carinhoso e muito amigável, por isso acho difícil que venha a sofrer grande impacto. Quando começaram a aparecer as séries, principalmente as séries americanas, houve um grande fascínio de muita gente. Eu, inclusive, fiquei muito fascinado. Todo mundo começou a ver streaming, todo mundo começou a ver os canais que produziam esse tipo de conteúdo. Hoje a Globoplay tem um estoque imenso de produtos e conteúdos à disposição do assinante. Isso mostra que já começou aqui no Brasil um trabalho de montagem desse repertório também. Outra coisa interessante é que os brasileiros sabiam muito pouco como fazer séries e agora começaram a desenvolvê-las muito bem. Eu acho que hoje temos um modelo de série que é muito atraente, que é muito bom de ver. Os outros canais e as outras plataformas estão absorvendo também um know-how da televisão brasileira, principalmente da telenovela, que é um know-how que o brasileiro tem como ninguém. O brasileiro faz novela como ninguém faz, é uma coisa que salta os olhos. Se você analisar, verá que algumas produções mais recentes em séries, vem “puxando” um pouco para o lado da telenovela. É claro que você não vai colocar uma telenovela em streaming, o que seria um horror. Uma plataforma não “bate” com o conteúdo da outra. Agora, adequar a série, a telenovela e a linguagem que há dentro da TV aberta brasileira, é perfeitamente possível e acho que é um futuro, é uma saída. É claro que as séries vão continuar sendo séries, as novelas vão continuar sendo novelas, mas eu acredito que vá existir um produto híbrido que será veiculado pelas plataformas de streaming e vai ser muito bacana isso porque aumenta muito mais a capacidade de você chegar a vários extratos sociais e intelectuais.

Já sobre o trabalho que Alcides Nogueira considera um marco em sua carreira, ele destaca: AN – Quando você tem uma carreira, de muitos e muitos anos, de muitos produtos, de muitos projetos que foram desenvolvidos, cada projeto é um degrau. Cada um contribui de uma maneira muito saudável para mostrar essa sua trajetória. Claro que há momentos que você percebe que deu o pulo do gato, que conseguiu alguma coisa bacana, realmente boa. Isso me aconteceu algumas vezes. Aconteceu com as séries que escrevi em parceria com a Maria Adelaide [Amaral]como em Um Só Coração e em JK. Aconteceu com O Astro, quando escrevi com o Geraldinho [Carneiro] o remake da Janete Clair e a gente ganhou o Emmy Internacional. Acho aliás, que o primeiro momento em que isso aconteceu, foi em Força de Um Desejo, novela que escrevi com o Gilberto Braga em 1999/2000, e que tinha uma qualidade muito grande, houve uma harmonia imensa entre todos os setores envolvidos – a criação, eu e o Gilberto, os colaboradores, a direção maravilhosa do Marcos Paulo, e seus assessores e diretores assistentes, o elenco que era maravilhoso – isso deu a Força de Um Desejo uma musculatura, houve um feliz encontro para produzir aquela magia da criação. Acho que esse foi um dos momentos em que eu consegui dar um upgrade na minha carreira, e fico muito feliz que tenha sido assim. É uma novela que deve voltar agora pelo Globoplay. As pessoas vão ter a oportunidade de ver essa novela, ela só foi reprisada uma vez no Vale a Pena ver de novo, estava para ir para o Viva, mas acabou não indo. Enfim, acho que a gente vai poder ver e conferir se eu estou certo nessa minha opinião.   

JÚLIO OLIVEIRA (ator, produtor e diretor)

Júlio Oliveira é um dos atores da nova geração que mantem um trabalho pulsante, tanto na TV como no Teatro e no Cinema. Na TV participou de sucessos como o remake da novela Ti Ti Ti, obra de Cassiano Gabus Mendes, adaptada por Maria Adelaide Amaral. Também de Maria Adelaide Amaral, Júlio integrou o elenco da deliciosa Sangue Bom, ambas na TV Globo. Já na RecordTV, integrou o elenco de novelas bíblicas como Milagres de Jesus e Os Dez Mandamentos. Fez ainda trabalhos para os streamings da HBO e da Netflix. Júlio compartilhou conosco sua visão sobre a questão do Streaming versus TV aberta.

JO – Até pouco tempo atrás as pessoas saíam de seus trabalhos correndo para conseguir pegar o transporte público e chegar em casa a tempo da sua bendita novela. Acontece que com a plataforma streaming, com a invenção da internet, as pessoas descobriram que elas eram um pouco mais proprietárias do seu próprio tempo. Elas não precisariam exatamente realizar as suas programações conforme a televisão determinava. Isso é uma revolução. A internet faz com que o espectador consiga determinar o tempo e o momento em que ele vai consumir o produto. Acho essa a principal mudança. Inclusive agora, até mesmo as grandes televisões estão também produzindo conteúdos exclusivos para a plataforma streaming. Acho que todo veículo de comunicação sempre será importante no seu tempo. A informação é o bem mais rico e precioso que a gente pode possuir. Enquanto existir qualquer meio que possa facilitar esse processo de acesso à notícia, ao entretenimento, à arte, à cultura, isso vai ser de um valor inestimável independente de qualquer que seja a forma de consumo que esse produto vier a ter.

MALU MADER (atriz e diretora)

Malu Mader tem 37 anos de carreira e seguramente participou de algumas das histórias que se tornaram os maiores sucessos da TV Globo nos últimos anos. Uma das atrizes preferidas do autor Gilberto Braga, protagonizou grandes sucessos escritos por ele, tais como: Corpo a Corpo (1984), Anos Dourados (1986), O Dono do Mundo (1991), Anos Rebeldes (1992), Labirinto (1998), Força de Um Desejo (1999) e Celebridade (2003).

Ao Canal Diversão & Arte, ela contou uma lembrança marcante na história da TV brasileira:  

MM – É difícil escolher um só grande momento da televisão brasileira, então vou escolher um que é muito significativo para mim. Desde muito pequena eu assistia as novelas, adorava vê-las, assim como a maior parte dos brasileiros. Quando ainda pequena eu ouvia muito falar da novela Beto Rockfeller. Eu tinha um pai que era muito noveleiro e que gostava muito de atores. Essa presença da novela em minha memória era tão forte que eu achava que tinha visto a novela. Na minha cabeça eu conhecia a história, talvez por ter visto alguma reprise e por sempre ouvir falar dela, afinal ela foi um marco, uma revolução na telenovela brasileira. Lembro até de ouvir as músicas da trilha, talvez ainda no berço. Quando eu comecei a fazer televisão, tive a sorte de trabalhar com um cara que eu amo que é o Luiz Gustavo, grande ator. Falei para ele que era fã de Beto Rockfeller e ele me respondeu “é mentira sua porque você não viu Beto Rockfeller, você não tem idade”. Eu falei “vi sim”. Ou seja, é daquelas experiências que são tão fortes, que vencem até o tempo. Acho que imaginei a novela e imaginei com tanta clareza, que até hoje eu tenho a sensação de tê-la assistido, mesmo sem ter sido de fato verdade. Essa é a minha escolha: Beto Rockfeller que foi a revolução nas novelas brasileiras. E já que falo dela, aproveito também para fazer uma homenagem ao meu grande amigo Luiz Gustavo.

Sobre um marco em sua carreira, Malu destaca duas obras e constrói, de forma muito assertiva, uma necessária relação com o momento social que vivemos hoje no país:

MM – Sempre digo que meu momento, “antes e depois” na televisão brasileira é Anos Dourados. E sim, é de fato o trabalho pelo qual eu tenho mais carinho. Mas hoje eu gostaria de escolher também Anos Rebeldes, em função desse terrível momento político que a gente está vivendo porque é preciso lembrar a desgraça, a tragédia que foi a nossa história na Ditadura Militar no Brasil. Eu tenho muito orgulho de ter feito esse trabalho. Acho que foi a primeira série na televisão que abordou esse momento desgraçado na nossa história e ficou marcada para nos lembrar que sim, temos que sempre lutar pela Democracia.

MARCOS PASQUIM (ator)

Marcos Pasquim surgiu na TV em meados dos anos 90 e esteve muito presente nas novelas de Carlos Lombardi. Sucessos como Uga Uga, Quintos dos Infernos e Kubanacan estão no currículo e no imaginário dos telespectadores brasileiros.

Pasquim destacou o ao vivo como uma das grandes contribuições da televisão e nos trouxe uma interessante reflexão sobre isso:

MP – Eu acho que a importância da televisão ao vivo é extrema. Normalmente a TV ao vivo é feita de notícias, do jornalismo, e é de suma importância você ter o direito de ter em primeira mão, ao vivo, as notícias do que acontece no Brasil e no mundo. Isso para mim é essencial.

Já sobre sua carreira, Pasquim destaca que:

MP – Um momento marcante na minha carreira foi quando eu fiz no Quintos dos Infernos, o Dom Pedro I e, logo depois, vim em Kubanacan. Este foi o “antes e o depois” em minha carreira na televisão brasileiro. Este foi um grande e importante momento para mim.

MARCELO SERRADO (ator)

Marcelo Serrado tem passagens marcantes tanto na TV Globo quanto na Record TV, mas foi na extinta TV Manchete que ele apareceu para o público brasileiro na novela Corpo Santo,de 1987.

O mais novo integrante do quadro Dança dos Famosos,edição 2020 do reality de dança do programa do Faustão, Serrado nos falou da importância da TV aberta em tempos de pandemia:

MS – A importância da TV é enorme, você vê que nesse momento em que vivemos as pessoas estão vendo muito TV aberta também. A própria novela que eu fiz em 2012 [Fina Estampa] está fazendo um sucesso incrível agora, os números de audiência são fantásticos.

Sobre sua carreira na TV, Marcelo Serrado destaca que:

MS – A minha história fica muito marcada pelo “antes do Crô” e “depois do Crô” (Fina Estampa). Mas acho que ela é marcada muito antes pelo Delegado Nogueira (Vidas Opostas) que eu fiz na Record. Aquilo foi um divisor de águas. Aliás, o Prova de Amor (Daniel Avelar / Flavio Alencar) e o Vidas Opostas foram os divisores de águas para a minha volta para a Globo e para personagens fortes que eu fiz depois.

DENISE DEL VECCHIO (atriz)

Denise Del Vecchio é dona de uma linda e espetacular carreira televisiva que passa pelas extintas TV Tupi e Rede Manchete, pelo SBT, pela Rede Bandeirantes, pela TV Cultura, pela Rede Globo e, mais recentemente, pela Record TV. Vale destacar que sua história não é extensa apenas na televisão, mas o teatro também ocupou parte significativa de sua história.

Sobre a televisão, Denise empreende uma importante reflexão:

DDV – Não há como discutir em um país do tamanho do Brasil, a importância da TV aberta. A televisão trouxe na reunião em torno do seu aparelho, discussões, divertimento, polêmicas e um pouco de história. Nós podemos discutir a qualidade, nós podemos discutir os pontos de vista dos donos das televisões, mas não podemos negar, de qualquer forma, a importância dela ter chegado nos rincões mais distantes do país e ter mudado hábitos, ter criado costumes, ter educado, ter criado discussões, isso é inegável e eu acho que isso tudo é de uma importância maior. Agora está surgindo uma nova forma de assistir TV, que é o streaming, onde você assiste em aparelhos dos mais diversos, na hora que você quiser, puder ou tiver vontade. O streaming te dá total independência da programação da TV. Foi uma grande conquista a programação da TV, mas hoje em dia isso está caindo por terra, porque está surgindo o hábito de assistir sozinho. Se bem que eu acho que os antigos padrões ainda vão durar bastante tempo, especialmente aqui no Brasil. Esse “assistir sozinho” te priva da reunião com o outro. Às vezes era uma reunião numa praça, as pessoas assistindo um capítulo de novela juntas. O “sozinho” te priva daquela reunião, daquele debate, daquele momento onde todo mundo se encontrava para conversar sobre o que estava assistindo. Hoje as pessoas correm e vão para o Whatsapp, ou para o Twitter, mas é diferente, não é pessoalmente, não estão lá presentes. O que isso vai resultar eu não sei porque não sou vidente, mas vai ser um comportamento diferente com certeza.

Com 50 anos de carreiras completados em 2020, Denise Del Vecchio tem muitas boas lembranças para pautar, mas escolheu dois momentos distintos para recordar:DDV – Eu vou falar de dois momentos, porque eles modificaram a minha vida de formas diferentes. O primeiro momento que mudou minha vida foi quando eu fiz Fera Radical, porque eu encontrei um elenco espetacular que tinha Yara Amaral, Laura Cardoso, Paulo Goulart, Elias Gleizer, Zé Mayer, e os jovens Malu Mader, Claudia Abreu e Carla Camurati e mais uma porção de gente incrível trabalhando, com uma direção do Gonzaga Blota e um texto do Walter Negrão. Foi uma novela que fez muito sucesso e vive reprisando por aí. Foi minha primeira novela na TV Globo. Cheguei em um mundo que eu desconhecia e encontrei esse elenco espetacular que me acolheu, me deu todo apoio e que me deixou muito feliz. A partir daí, passei a olhar o Rio de Janeiro de outra forma. Eu morria de medo de ir para lá trabalhar, e a partir do encontro com estas pessoas, a partir desse momento, eu mudei meu modo de ver, perdi o medo e passei a encarar essa nova fase da minha carreira que felizmente floresceu. E o segundo momento que me marcou, foi depois da Joquebede em Os Dez Mandamentos. A Joquebede, mãe do Moisés, foi um personagem muito importante, um personagem que repercutiu pelo mundo todo, até hoje, eu recebo de todos os lugares do mundo mensagens de carinho, de afeto, falando da importância que o personagem teve na vida dessas pessoas. Foram dois anos de trabalho e de muita alegria, que me deram mais liberdade, talvez pela força da própria personagem que tinha muita fé e vontade de luta. Acho que isso foi transmitido para o público e eu introjetei para mim.

ISABEL FILLARDIS (atriz e cantora)

Depois de uma importante carreira de modelo nos anos 80-90, Isabel Fillardis iniciou sua carreira como atriz na TV defendendo a personagem Ritinha de Renascer, um dos grandes sucessos de Benedito Ruy Barbosa com direção do Luiz Fernando Carvalho, na Rede Globo. Desde então, foram muitos trabalhos na telinha e fora dela. Sobre a evolução da TV brasileira e a era do streaming, Isabel Fillardis declara:

IF – A TV brasileira, por mais que a gente tenha todas essas opções de streamings e essa diversidade de comunicação pela internet, mantem a sua importância. Ela ainda tem a sua enorme capacidade de levar informação e de ditar comportamentos. Ela está precisando se mesclar, se renovar, sob diversos aspectos, mas a TV ao vivo não vai perder a sua importância por conta de todos esses outros segmentos que estão chegando.

Sobre sua carreira Isabel Fillardis destaca:

IF – Tive dois momentos artísticos marcantes: o primeiro foi quando eu comecei na televisão, porque a Ritinha da novela Renascer foi muito marcante e é marcante até hoje. É o personagem que me fez existir, ela fez a Isabel Fillardis existir. Eu destacaria também a Luzia, da novela Força de Um Desejo. Foi a minha primeira vilã, uma atípica, uma vilã cômica, um personagem que começou pequeniníssimo, sem história nenhuma e foi crescendo dentro da trama, se transformando e virou um sucesso estrondoso para mim. Foi uma surpresa porque eu não tinha feito nenhum personagem assim, e nenhuma antagonista também, o que exigiu de mim um estudo muito profundo e teve um resultado excelente. São estes os meus dois momentos.

JOSÉ RUBENS CHACHÁ (ator e dublador)

José Rubens Chachá é outro grande ator da televisão brasileira que também tem enorme trajetória nos palcos. Está na TV desde 1976 quando fez sua primeira novela na Rede TUPI. Era Xeque-Mate de Walther Negrão e Chico de Assis. Seu mais recente trabalho foi para o streaming da Globo (Globoplay), na série Ilha de Ferro de 2019.

Chachá contou ao Canal Diversão & Arte como vê os caminhos da TV brasileira nos últimos tempos:

JRC – Eu acho que a televisão brasileira e a TV mundial estão aprendendo a se adaptar a esses novos formatos e aprendendo a conviver com eles. Existe uma agilidade muito grande nesses novos meios de comunicação. A televisão está correndo atrás ao mesmo tempo em que está estabelecendo um padrão que só ela pode ofertar.

Sobre sua carreira, Chachá destaca um de seus grandes personagens como um marco, dizendo que:

JRC – Sem dúvida o papel que mais me marcou na dramaturgia televisiva foi o personagem do Oswald de Andrade que fiz em Um Só Coração, em 2004. Até hoje eu sou reconhecido e sou parabenizado na rua pelas pessoas que assistiram a este trabalho. Também fiz esse mesmo personagem no teatro e no cinema. É um personagem que me marcou bastante e me faz muito feliz ao lembrar desses trabalhos.

MARISA ORTH (atriz, humorista e cantora)

1990 é o ano que marca a entrada desta grande atriz na TV brasileira com a hilária personagem Nicinha de Rainha da Sucata, novela de Silvio de Abreu e Alcides Nogueira, dirigida por Jorge Fernando e que colocou Marisa Orth no centro de um dos triângulos amorosos mais divertidos da história da teledramaturgia, contracenando com Antônio Fagundes e Claudia Raia.

Marisa Orth, quando entrou pra TV, já tinha uma carreira de quase dez anos no Teatro. Aqui ela destaca a importância da TV ao vivo no Brasil:   

MO – Eu acho que “ao vivo”, parece quase um pleonasmo. O teatro, sempre vivo, é o começo de tudo. É o improviso, é o real calor humano, é muito legal, a gente não pode nunca perder isso, se não fica fake. Com o avanço cada vez maior das tecnologias, a gente pode até montar uma pessoa, montar um texto, montar tudo, mas ao vivo é coração, ao vivo é de verdade. Eu sou absolutamente defensora de tudo ao vivo: rádio ao vivo, TV ao vivo e teatro ao vivo.

Sobre o momento que Marisa Orth considera um marco em sua trajetória, ela destaca: MO – O que eu acho que mudou minha carreira totalmente foi o Sai de Baixo, que era em certa medida ao vivo. Não era ao vivo no ar, alguns episódios até foram feitos e exibidos na mesma hora, mas a gente fazia com plateia. A plateia era de verdade no Teatro Procópio Ferreira lotado. Fazíamos duas sessões em todas as gravações. A sessão que ficava mais inteira a gente usava de base, e a outra servia para eventuais coberturas de cenas que não davam certo. Quer dizer, a gente até tinha a possibilidade de refazer, mas dentro do limite da vergonha da plateia real que estava ali na nossa frente. Costumo dizer que eu gosto tanto de teatro que até meu maior sucesso da TV era teatro. O ao vivo é o nosso contato com a realidade. Sai de Baixo mudou a minha vida obviamente. Foi antes de Magda e depois de Magda. E, VIVA O AO VIVO!

MATHEUS NACHTERGAELE (ator e diretor)

Intérprete de tantos tipos diferentes na TV, no teatro e no cinema, Matheus Nachtergale estreou na TV em 1997 em uma participação em A vida como ela é, de Nelson Rodrigues. Mas foi em Hilda Furacão, minissérie de Glória Perez, dirigida por Ricardo Waddington que ele interpretou um dos seus primeiros grandes papeis na TV, o Cintura Fina. Sobre o que considera um marco em sua carreira, Nachtergaele destaca que:

MN – Poderia dizer várias coisas porque eu fiz muitos trabalhos muito legais e que marcaram bastante a minha vida e o Brasil, mas eu não posso nunca negar que a exibição do O Auto da Compadecida me jogou para dentro do coração dos brasileiros com uma força muito violenta e de uma forma artística e muito bonita. É um trabalho impecável, uma direção incrível do Guel Arraes, uma adaptação incrível da peça do Ariano Suassuna feita pelo João [Falcão], pela Adriana Falcão e pelo próprio Guel Arraes. Foi uma entrega fantástica de um elenco magistral. Eu e Selton Mello como protagonistas fomos jogados diretamente para dentro do coração do povo brasileiro. Acho que O Auto inclusive contribuiu para o Brasil fazer as pazes com o seu cinema, e mudou efetivamente a minha vida, não só obviamente em termo de popularidade, mas desde O Auto eu entendo muito claramente como a TV pode ser linda, quando ela é feita com talento, vocação e uma consequente alegria.

Para finalizar o nosso passeio especial pela televisão brasileira, Matheus Nachtergaele fez uma belíssima análise sobre a evolução da TV brasileira durante os seus 70 anos, em conversa exclusiva com o Canal Diversão & Arte:

MN – A televisão brasileira é praticamente a formadora da consciência ou da inconsciência coletiva desse nosso Brasil. Foi basicamente o principal lugar, até pouco tempo, onde o público de todo o Brasil, teve acesso às informações necessárias para compreender o que acontece pelo mundo e também para ter acesso a dramaturgia. Temos uma dramaturgia maravilhosa! A televisão brasileira é feita por grandes dramaturgos. Na área em que eu atuo, a coisa é muito espantosa! A riqueza de temas, a variedade de dramaturgias, a qualidade de muitos trabalhos é exemplar, portanto tudo isso é de uma importância muito grande, principalmente nos momentos de maior censura. Nos momentos em que o cinema brasileiro, por exemplo, tornou-se inviável por vários motivos e que os espetáculos teatrais eram proibidos, a televisão conseguia colocar no ar trabalhos bonitos, obras da dramaturgia clássica, adaptações de grandes romances, que carregam consigo uma brasilidade resistente para a população saborear, conhecer e desfrutar. Obviamente, a TV também protagonizou grandes desserviços. Nem tudo é bom na vida e a TV pode ser muito danosa. Para o Brasil ela foi danosa, daninha, em muitos aspectos. Mas eu gosto de olhar de maneira iluminada e imaginar a TV nos dando presentes de brasilidades: Jorge Amado à beça, grandes dramaturgos como Ariano Suassuna que foi adaptado diversas vezes, Nelson Rodrigues que também foi adaptado diversas vezes pra TV, novelistas maravilhosos que escreviam folhetins… O que é Roque Santeiro, por exemplo? Enfim, é para se comemorar o aniversário da televisão e também para se fazer uma autocrítica. Isso é sempre necessário.

CONSCIÊNCIA E APLAUSOS PARA A TELEVISÃO BRASILEIRA

Uma homenagem consciente, que enaltece a arte mas não nega a força ideológica do meio televisivo, que propõe o consumo consciente de seu conteúdo ao mesmo tempo em que compreende que a história recente do Brasil se mistura com a própria história da TV. Aos atores brasileiros, aos autores, aos diretores, aos técnicos da televisão brasileira, os nossos aplausos.

* ENTREVISTAS REALIZADAS POR TON MIRANDA EM SETEMBRO/2020.

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