MISSÃO CUPIDO | FLECHANDO POR CAMINHOS TORTUOSOS

Rita (Isabella Santoni) e seu anjo da guarda Miguel (Lucas Salles). Imagem: Divulgação.

Todos conhecem a lenda do Cupido e estão familiarizados com os símbolos que o representam: uma criança com aparência de anjo que ainda por aí usando apenas fraldas e um arco e flecha com o qual atinge as pessoas fazendo com que se apaixonem umas pelas outras. De acordo com a mitologia, o Cupido é filho de Afrodite e Marte, a deusa do amor e o deus da guerra, respectivamente.

Agora, imagine que cada ser humano tem um anjo da guarda, responsável por cuidar de cada pessoa desde o seu nascimento. Mas ao invés do anjo assumir o papel de cupido, ele acaba jogando uma praga que atrapalha o relacionamento de seu assessorado pelo resto da vida. É isso que Miguel (Lucas Salles) faz com sua protegida Rita (Isabella Santoni) no longa Missão Cupido, de Rodrigo Bittencourt (Real – O plano por trás da história), que assina também o roteiro.

Anos se passaram desde que ele rogou a praga, e como a vida amorosa da sua protegida não vai para a frente, Deus, ou melhor dizendo, o presidente (Rafael Infante) ordena que o anjo volte para a Terra e encontre uma forma de desfazer a praga que ele mesmo lançou. Para isso ele vai contar com a ajuda de seu supervisor Rafael (Victor Lamoglia) e uma pedra em seu sapato, a Morte (Agatha Moreira).

Não é a primeira vez que o público encontra história de anjos que precisam vir à terra para ajudar seu protegido ou colocá-lo no caminho de sua missão. Miguel, como todo anjo da guarda em histórias do gênero é atrapalhado e coloca tudo a perder descumprindo todas as regras possíveis como contando para Rita que ele é um anjo, desafiando a morte, dentre outros absurdos.

Quando os personagens mudam de locação, a montagem do filme apresenta isso como uma história em quadrinhos. As animações são bem trabalhadas, um excelente trabalho do montador Guilherme Bechara junto com o diretor de animação Pedro Poscidônio. Em uma das sequências, onde o anjo desafia a morte, o duelo é feito através de animação e o resultado é um dos pontos altos do longa.

Agatha Moreira como a Morte, Victor Lamoglia como o supervisor Rafael e Lucas Salles, o anjo Miguel. Imagem: Divulgação.

Como citado anteriormente, Miguel desafia a personagem de Agatha, que é a morte para um duelo. O grande motivo disso é que ela quer levar Rita, enquanto ele precisa a todo custo protegê-la para concluir a sua missão. É um embate interessante, porém os recursos que o roteiro usa para fazer essa rivalidade acontecer são altamente questionáveis.

A morte vem à Terra na forma de uma cantora de bar, e seduz Rita para que lhe dê um beijo. A protagonista rapidamente se encanta pela mulher misteriosa, e além de um selinho rápido, demonstra ter um desejo sexual por ela. Mas a todo custo o anjo Miguel precisa impedir que ela se entregue a essa relação.

É certo que a Morte é a vilã do filme, mas porque usar da sexualidade como uma forma de atrair Rita para o “lado do mal”? A bissexualidade da personagem sequer é aprofundada, ela apenas tem esse encantamento que fica latente nas cenas em preto e branco, quando a personagem de Agatha interage com alguém.

O longa chega aos cinemas nessa quinta-feira, dia 10 de junho, mês do Orgulho LGBTQIA+. Trazer uma abordagem da bissexualidade como algo ruim em um longa lançado em circuito nacional é triste. Já tivemos falas de comunicadoras importantes em cadeia nacional de que a bissexualidade era na verdade uma indecisão da pessoa que quer experimentar de tudo e ser “mais moderninho” e isso não é verdade.

A partir do momento que o roteiro transforma o desejo sexual entre duas mulheres como um recurso para o caminho do mal, do outro lado a mensagem que fica é de que o anjinho heteronormativo está do lado do bem e vai fazer com que Rita arrume um bom companheiro, livrando-as da garra da Morte que é um ser que traz confusão e tormenta, dentre eles o relacionamento, o beijo.

Mesmo que em algumas cenas Rita traga o discurso de que não precisa de homem algum para viver – o que não é verdade, uma vez que a construção da narrativa é de que basicamente ela precisa se livrar da praga para tomar um rumo na vida e arrumar um casamento a qualquer custo para que possa se tornar uma pessoa melhor. E por mais que na sequência onde Miguel tenta arrumar alguns pretendentes tenham algumas mulheres na fila, no final das contas ela termina com um homem.

Apesar da abordagem problemática acerca da sexualidade, alguns desempenhos chamam atenção positivamente. Com destaque para Isabella Santoni que ainda não participou de muitos longas-metragens, mas consegue divertir em diversos momentos, principalmente na cena do posto de gasolina onde todos pensam que ela está maluca.

Rafael Infante em Missão Cupido
Rafael Infante encarna Deus em Missão Cupido.

Rafael Infante, mesmo sendo coadjuvante rouba a cena. Ele no papel de Presidente, em uma analogia a Deus, está bem confortável no papel. Ri, brinca, usa seu corpo e seus movimentos como parte da construção da personagem que é sem sombra de dúvidas o ponto alto do longa. A câmera o acompanha de uma maneira fluída, quase que como em uma dança em seus movimentos.

Missão Cupido é uma comédia despretensiosa que pretende entreter, mas usa de recursos antiquados para isso. É uma pena que a bissexualidade da personagem Rita tenha sido usada de forma superficial, para que no final do longa ela terminasse com um homem, reforçando mais uma vez o estereótipo de que bissexuais na verdade são pessoas confusas que ainda não encontraram seu caminho.

Ficha Técnica:

Escrito e dirigido por: Rodrigo Bittencourt

Produção: Clélia Bessa

Elenco: Isabella Santoni, Agatha Moreira, Lucas Salles, Victor Lamoglia, Thais Belchior, Daniel Curi.

Participações especiais: Guta Stresser, Kiko Mascarenhas, Rafael Infante

Produção Executiva: Fernanda Kalume

Produção Associada: Marcos Pieri e Rosane Svartman

Colaboração de Roteiro: André Pellegrino e João Sant’Anna

Direção de Fotografia: Fábio Burtin

Direção de Arte: Chico de Andrade

Figurino: Fúlvia Costalonga e Thalita Savordelli

Caracterização: Cacá Zech

Som Direto: Alvaro Correia

Trilha Sonora: Rodrigo Bittencourt e Daniel Lopes

Montagem: Guilherme Bechara

Diretor de animação: Pedro Poscidônio

Produção de elenco: Athenea Bastos e Vania Ferreira

Desenho de Som: Ariel Henrique e Ricardo Zollner

Mixagem: Ariel Henrique

Trailer:

https://youtu.be/8mWEQFhUcHA

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