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IRMÃOS À ITALIANA: UMA VISITA PESSOAL A UM PASSADO AINDA VIVO

Irmãos à Italiana

Irmãos à italiana estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, dia 22 de julho. Dirigido por Claudio Noce, o longa fez parte da Seleção Oficial do Festival de Veneza em 2020, e mais recentemente pôde ser visto também no Festival Festa do Cinema Italiano. Toda a trama foi baseada em fatos reais, acompanhando a infância do próprio diretor em Roma, na Itália. 

Valério é um garoto de apenas dez anos que vive em Roma, no ano de 1976, e tem uma imaginação bastante fértil. Quando seu pai sofre um atentado terrorista, o menino é assolado por medo de que algo de ruim aconteça. Ao conhecer Christian, um garoto mais velho que ele encontra uma forma de extravasar todo o estresse.

Christian é rebelde e adora quebrar as regras. Isso lembra muito um outro personagem italiano de outro filme: Alberto Scorfano que leva o protagonista Luca, no longa homônimo da Disney/Pixar para viver aventuras fora de seu mundo comum, subvertendo todas as regras impostas pela sociedade.

Guardadas as diferenças entre uma animação infantil e um live-action que retrata os anos de chumbo na Itália, cada um dos longas mostra uma proposta diferente da relação de amizade entre dois garotos.

Enquanto em Luca o menino mais velho ajuda o protagonista a melhorar dia após dia, aqui neste filme Christian é mais um antagonista, que piora a problemática de Valério e o incentiva a fazer coisas nada louváveis, como roubar por exemplo.

Matia Garacci e Francesco Gheghi em cena como Valerio e Christian. Reprodução: Divulgação.

A princípio, paira a dúvida no espectador a respeito de Christian ser ou não uma personagem real, afinal ele sempre some quando o garoto está encrencado pelas armações que fizeram. Porém, em sequências posteriores, descobrimos que ele é real e passa a interagir com a família toda – sendo muito bem recebido, inclusive. Enquanto Alfonso, pai de Valerio, leva a família para escapar dos atentados terroristas que vem sofrendo, Christian acompanha tudo de perto. 

Toda a ação do filme parte de uma experiência pessoal do diretor. Quando Cláudio Noce era criança, seu pai era vice-diretor da polícia e sofreu um atentado terrorista em dezembro de 1976. Ele ficou apenas ferido, mas um policial e um terrorista morreram durante o ataque. Imagine que, naquela época, Cláudio não tinha nem dois anos de idade.

Na releitura e “re memória” do cineasta, Pierfrancesco Favino, um dos atores mais celebrados do cinema italiano contemporâneo, vem na pele de Alfonso, o pai, um homem forte, que desperta admiração no filho, tanto que o garoto chega a preferir conversar e procurar o pai, que a mãe, vivida aqui por Barbara Ronchi

Toda essa admiração parte do ponto de vista de Valério. O diretor arrisca ao seguir o jovem por quase todas as cenas do filme, são poucas as que o jovem Matia Garacci não está. Sempre do seu ponto de vista, ou com enquadramentos que foquem bem em seu rosto, as escolhas do cineasta foram feitas pensando em gerar empatia com o garoto após o estresse pós-traumático. 

Contudo, o longa poderia ter uma duração menor ou economizado tempo na apresentação. Demora para que Francesco Gheghi apareça em cena como Christian. Somente com quase quarenta minutos de filme conhecemos o personagem e a relação que ele constrói com o protagonista.

É verdade que a primeira cena começa com um flashforward (recurso narrativo de mostrar uma cena futura), da vida adulta de Valério, reencontrando essa amizade da infância no metrô, mas até a aparição do garoto, fica para o público a sensação de que o longa poderia trazer mais rapidamente quem era esse personagem e ter mais tempo para desenvolver a relação.

Não é sobre imprimir um ritmo desnecessário para uma trama de maturação, como essa que nos traz o roteiro assinado também por Cláudio Noce em parceria com Enrico Audenino, mas sobre escolher os eventos necessários para contar a história de uma forma que não canse o espectador.

O título original do filme é PADRENOSTRO, traduzido para o inglês como OUR FATHER, em tradução literal: “Nosso Pai.” A figura de Alfonso desempenha papel importante no desenrolar do longa – tanto que Favino venceu o prêmio de Melhor Ator em Veneza – o título não é somente sobre ele, mas sim em como todas essas vidas se entrelaçam nesse verão ensolarado dos anos setenta. Por isso talvez a melhor escolha fosse tentar manter mais próximo da proposta original. 

Pierfrancesco Favino e Matia Garacci em cena. Reprodução: Divulgação.

Existem diversos filmes de ficção e não-ficção sobre os anos de chumbo na Itália e da relação pai-filho-amigo, mas poucos conseguem construir algo tão pessoal, como Cláudio Noce faz neste longa. É uma revisão de suas memórias pessoais, abrindo portas e janelas de um cômodo que há muito tempo o cineasta não visitava. 

Nos créditos, a primeira pessoa a quem Noce dedica o filme é seu pai. E toda a obra que construiu aqui nesse longa é fruto desse amor e também do medo que aquela criança tinha de que, de alguma forma, alguém lhe tirasse seu pai. É sobre o medo da perda, tão comum a cada um de nós. 

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