Peça ‘Jacinta’ honra a memória da mulher negra que teve seu corpo exposto por 30 anos na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco

Estreia da Cia do Pássaro integra o projeto “Trilogia do Resgate”, que combate o apagamento histórico da população negra brasileira  

Foto: Bob Sousa

“Jacinta não foi fotografada em vida. As pessoas que compunham seu círculo social nunca foram identificadas. Seus gostos, pensamentos, crenças e dizeres permanecem incógnitos, assim como seu endereço — se é que tinha um. Todos os atributos que lhe conferiam humanidade foram descartados em prol de uma transformação iniciada naquela mesma segunda-feira.” Ponte Jornalismo na matéria “Como a principal faculdade de direito do país violou o corpo de uma mulher negra por 30 anos”.

No começo do século 20, uma mulher negra morre nas ruas da capital paulista e não é sepultada. Seu corpo embalsamado fica exposto como curiosidade científica durante trinta anos na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Para honrar a sua memória, a Cia do Pássaro estreia o espetáculo Jacinta – Você Só Morre Quando Dizem Seu Nome Pela Última Vez, que faz uma temporada gratuita no espaço do grupo, no Anhangabaú, entre os dias 14 de setembro e 8 de outubro, com sessões de quinta a sábado, às 20h, e, aos domingos, às 19h. 

Escrita e dirigida por Dawton Abranches, a peça é baseada no caso real de Jacinta Maria de Santana, mulher negra brasileira que, após sua morte, teve o corpo embalsamado e exposto como curiosidade científica, sendo usado em trotes estudantis por quase trinta anos na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na cidade de São Paulo. Em cena, os atores Gislaine Nascimento e Alessandro Marba, são acompanhados pela musicista Camila Silva, que conduz a trilha sonora no cavaquinho e na cuíca, remetendo ao universo do samba.

O espetáculo integra o projeto “Trilogia do Resgate”, da Companhia do Pássaro, que pretende resgatar do apagamento personalidades históricas com trajetórias emblemáticas no Brasil.

Sobre Jacinta
A peça conta a história de Jacinta Maria de Santana, que, mesmo se tornando vítima das mais diversas violações após a morte, utilizada até em trotes universitários, permaneceu praticamente anônima até 2021, quando a historiadora e pesquisadora Suzane Jardim leu sobre o caso em um jornal de 1929.  O autor da ideia e execução foi o professor Amâncio de Carvalho, da área de medicina legal da USP. Diferente de Jacinta que permaneceu desconhecida por décadas, ele virou nome de rua da Vila Mariana, o segundo bairro mais branco da capital paulista, de acordo com os dados do Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Jacinta era uma mulher pobre e sem ocupação fixa que costumava andar pelas ruas do centro de SP. Um dia, sentiu-se mal e caiu na rua Dutra Rodrigues, a 700 metros da Estação da Luz.  Quando sua presença foi comunicada às autoridades, Marcondes Machado, médico legista da Polícia Civil, e Pinheiro Prado, delegado da 1ª Circunscrição, compareceram ao local e deram os encaminhamentos para enviá-la à Santa Casa de Misericórdia. Ela não resistiu e morreu no trajeto.

A partir daquele momento, começa o seu infortúnio. O cadáver foi deixado aos cuidados de Amâncio, que, de acordo com as informações levantadas por Suzane Jardim, queria aperfeiçoar suas habilidades com embalsamento. Ele já havia deixado o corpo mumificado de uma criança exposto por trinta dias no necrotério da polícia, bem à vista de todos os funcionários. Era a vez de tentar com um adulto.  Foi assim que essa mulher permaneceu exposta na Faculdade de Direito do Largo São Francisco por tanto tempo. Inclusive, ela só teve direito a um enterro após a morte do médico. 

Sobre a montagem
“O espetáculo ‘Jacinta’ é a segunda parte da nossa ‘Trilogia do Resgate’, dedicada a combater o apagamento da população negra da história brasileira. O primeiro deles foi ‘Baquaqua – Documento Dramático Extraordinário’, sobre o ex-escravizado Mahommah Gardo Baquaqua, que passou pelo Brasil no século 19”, conta Abranches.

O grupo também busca devolver a humanidade às pessoas retratadas, contribuindo para romper estereótipos. Nesse caso, como descreve o projeto contemplado pela 16ª edição do prêmio Zé Renato de Teatro para a cidade de São Paulo, “Jacinta sofreu um processo de despersonalização que a transformou em um objeto de estudo com o qual a ciência corroborou atrocidades impingidas às mulheres pretas, legando-as a papéis de subserviência, exotismo ou exclusão social.”

Após a temporada de estreia, o espetáculo fará circulação entre os meses de outubro e novembro em unidades dos CEUS – Centros Educacionais Unificados.

Teatro para os mais diversos públicos
Com o objetivo de tornar seu trabalho acessível ao maior número de pessoas, a Cia do Pássaro explora a linguagem do teatro popular nas suas peças. Há, inclusive, momentos de alívio cômico em “Jacinta”, sem perder de vista a seriedade do tema.  

A narrativa foi construída de forma bastante poética. “Enquanto a atriz Gislaine Nascimento conta a história de Jacinta, ela é observada pela figura de Exu Tatá Caveira (Alessandro Marba), que manipula o tempo e o espaço. É ele quem propicia o encontro da performer com a personagem, transformando-a na entidade Rosa Caveira”, detalha Abranches. 

Ao mesmo tempo, a peça extrapola o caso de Jacinta, estabelecendo relações com outras situações representativas da sociedade brasileira, como o surgimento da corrente eugênica, bastante em voga no século 20, e o fato de que muitos alunos e ex-alunos da Faculdade São Francisco apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff.

Para dar conta de todo esse universo, foram utilizadas como referências para construção dramatúrgica os livros “O Pacto da Branquitude”, de Cida Bento (2022), “Performances do tempo espiralar: Poéticas do corpo-tela”, de Leda Maria Martins, (2021) e “Tornar-se negro”, de Neusa Santos Souza (1983). 

O cenário foi pensado para evocar as figuras de Rosa Caveira e Exu Tata Caveira. Por isso, foi construído a partir de uma paleta de cores preta e vermelha. “No palco há uma mistura de universos, onde são representados a própria estrutura do teatro, onde Jacinta tem a oportunidade de renascer; e a calunga, que tem o chão com tapete vermelho coberto por pétalas de rosa e é, ao mesmo tempo, uma sala de aula da faculdade, com uma parede preta com escritos em latim, indicando uma lousa com um crucifixo em neon vermelho”, afirma o encenador e dramaturgo. 

A ideia da calunga tem um significado ainda mais profundo para Dawton Abranches. “Para os bantos, essa palavra tem diversos significados e poderia também evocar um sentimento parecido com a saudade”. A Calunga é ainda a morada de Rosa Caveira, que é metade humana e metade caveira”, acrescenta. 

Oficina
Nos dias 30 de setembro (sábado) e 01 de outubro (domingo), o projeto também oferece de forma gratuita a Oficina de Investigação e Produção de Documentação Oral: Narrativas de Memória e História Oral – Reconstruindo Identidades a Partir de Biografias Ancestrais, com Jéssica Nascimento Olaegbé (Pesquisadora do Centro de Estudos Culturais Africanos e da Diáspora – CECAFRO).
As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo link no Instagram do grupo, a partir do dia 14 de setembro: @cia_do_passaro.
Vagas: 15 pessoas.

Sinopse
A peça é baseada no caso real de Jacinta Maria de Santana, mulher negra brasileira que, após sua morte, teve o corpo embalsamado e exposto como curiosidade científica, sendo usado em trotes estudantis por quase trinta anos na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na cidade de São Paulo. O espetáculo integra o projeto “Trilogia do Resgate”, da Companhia do Pássaro, que pretende resgatar do apagamento personalidades históricas com trajetórias emblemáticas no Brasil.

A programação completa também está na página do Instagram da companhia: @cia_do_passaro

Ficha técnica
Idealização: Cia do Pássaro – Voo e Teatro
Realização
: Prêmio Zé Renato de Teatro; Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo; Cia do Pássaro – Voo e Teatro
Produção: Plataforma – Estúdio de Produção Cultural
Texto e Direção: Dawton Abranches
Elenco: Gislaine Nascimento e Alessandro Marba
Musicista: Camila Silva
Interpretação e Tradução em Libras: Gabrielle Martins e SinaLibras – Acessibilidade
Direção de Movimento: Verônica Santos
Direção Musical
: Alexandre Guilherme
Concepção de Iluminação: Alice Nascimento
Concepção de Cenário: Pedro de Alcântara e Dawton Abranches
Concepção de Figurinos: Pedro de Alcântara e Érika Bordin
Operação de Luz: 
Rebeka Teixeira e Alice Nascimento
Operação de Som: 
Thau Oliveira
Costureira: Érika Bordin
Cenotécnico: Wesley Lopes
Percussionista Convidado Gravação: Julio Cesar
Direção de Produção:
 Fernando Gimenes e Plataforma – Estúdio de Produção Cultural
Produção Executiva: Alessandro Marba
Produção Financeira:
 Math’eus Borges e Alessandro Marba.
Assistente de Produção e Contrarregra: Irlley de Mello.
Assistente de Produção Temporada:
 Elisa do Nascimento e Matriarca Produções
Estagiário: Cristiano Belarmino
Ministrantes Oficinas: 
Lyllian Bragança, Monalisa Bueno, Reginaldo Pingo e Jéssica Nascimento Olaegbé
Convidadas Encontros Públicos: Suzane Jardim, Danielle Rosa, Sonia Regina Nozabielli e Letícia Chagas
Fotos: 
Bob Sousa
Identidade Visual e Designer Gráfico: 
Murilo Thaveira
Assessoria de Imprensa:
 Canal Aberto – Márcia Marques, Flávia Fontes e Dani Valério

Serviço

JACINTA – VOCÊ SÓ MORRE QUANDO DIZEM SEU NOME PELA ÚLTIMA VEZ
Temporada: 
14 de setembro a 08 de outubro, de quinta a sábado, às 20h; aos domingos, às 19h
Local: Espaço Cia do Pássaro – Voo e Teatro
Endereço: R. Álvaro de Carvalho, 177 – Anhangabaú, São Paulo/ SP
Acessibilidade em Libras: em todas as sessões de sexta a domingo.
Ingresso: Gratuito | Ingressos no Sympla
Telefone: (11) 94151-3055
Duração: 90min
Classificação: 14 anos

Após a temporada de estreia, o espetáculo fará circulação entre os meses de outubro e novembro em unidades dos CEUS – Centros Educacionais Unificados.

Oficina

Oficina de Investigação e Produção de Documentação Oral: Narrativas de Memória e História Oral – Reconstruindo Identidades a Partir de Biografias Ancestrais 
Com Jéssica Nascimento Olaegbé (Pesquisadora do Centro de Estudos Culturais Africanos e da Diáspora – CECAFRO).
Dias 30 de setembro (sábado) e 01 de outubro (domingo), das 14h às 18h. 
Vagas: 15 pessoas. Gratuito. Inscrições a partir do dia 14 de setembro pelo link do Instagram da companhia @cia_do_passaro

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