“VALE TUDO” VOLTA EM 2025: A NOVELA QUE MEXEU COM O BRASIL VOLTA PRA PERGUNTAR TUDO DE NOVO

Com texto de Manuela Dias, o remake de uma das maiores obras da teledramaturgia brasileira celebra os 60 anos da TV Globo e promete reacender o debate: ainda vale a pena ser honesto no Brasil?

Em pé (da esquerda pra direita): Alice Wegmann (Solange), Renato Góes (Ivan), Débora Bloch (Odete Roitman), Paolla Oliveira (Heleninha Roitman) e Alexandre Nero (Marco Aurélio). Sentados da esquerda pra direita: Humberto Carrão (Afonso Roitman), Taís Araújo (Raquel), Bella Campos (Maria de Fátima), Carolina Dieckmann (Leila) e Cauã Reymond (César) | FOTO: divulgação/ TV Globo

Por tOn Miranda

Em 1988, uma novela dividiu o Brasil. Ou melhor, escancarou um Brasil dividido. Vale Tudo, criada por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, não apenas alcançou recordes de audiência: ela colocou em horário nobre uma pergunta que ecoava nas ruas, nos escritórios, nas rodas de conversa e nos corredores do poder: vale a pena ser honesto num país onde tudo parece funcionar na base da esperteza?

Agora, quase quatro décadas depois, essa pergunta ressurge com força total. O remake de Vale Tudo, que estreia HOJE, 31 de março de 2025, com texto de Manuela Dias, chega como uma das principais produções da TV Globo em comemoração aos seus 60 anos – e aos 100 anos do Grupo Globo. Uma superprodução que não pretende apenas homenagear o clássico, mas atualizá-lo, chacoalhando novamente o país em meio a tantas novas (e velhas) tensões sociais, políticas e morais.

E eu confesso: mal posso esperar. Eu era um menino de 11 anos quando vi, pela primeira vez, Maria de Fátima aplicar seus trambiques com o sedutor César Ribeiro. Lembro de torcer por Raquel, de querer que Ivan e Heleninha se dessem bem, de me revoltar com as falcatruas de Marco Aurélio e, claro, de ficar em choque com a fatídica pergunta que parou o Brasil: “Quem matou Odete Roitman?”

1988: Um Brasil em reconstrução

Exibida entre maio de 1988 e janeiro de 1989, Vale Tudo surgiu num momento crucial da história brasileira: a Constituição Cidadã acabava de ser promulgada após 21 anos de ditadura militar. O país, tomado por esperanças democráticas, ainda sofria com inflação galopante, planos econômicos desastrosos e escândalos de corrupção.

Nesse cenário, a novela oferecia muito mais do que entretenimento. Apresentava um retrato brutal da elite empresarial, da hipocrisia social e do “jeitinho” como regra de sobrevivência. A polarização entre a ética e o cinismo ganhava rostos, frases e destinos trágicos.

Raquel Accioli, a mulher honesta que vendia sanduíches na praia, representava o Brasil que acreditava no mérito, na dignidade, na justiça. Sua filha, Maria de Fátima, era a ambição desmedida, o Brasil que topa qualquer coisa por um lugar ao sol – inclusive trair a própria mãe. E entre elas, personagens que se tornaram símbolo de diferentes camadas sociais e dilemas morais: Ivan, o executivo idealista; Odete Roitman, a empresária arrogante e corrupta; Marco Aurélio, o golpista frio que fugia com dinheiro público.

A novela, mesmo em tempos sem internet, criou uma mobilização nacional. Discussões acaloradas sobre honestidade, ética e desigualdade invadiram o cotidiano dos brasileiros. Foi uma crítica feroz, mas também um reflexo.

Cassio Gabus Mendes, Lídia Brondi, Regina Duarte e Glória Pires na versão original da novela de 1988 | FOTOS: divulgação / TV Globo

2025: Um Brasil conectado, polarizado e em busca de sentido

O Brasil de hoje mudou — mas não tanto quanto gostaríamos. Saímos da máquina de escrever para o smartphone, mas ainda tropeçamos em escândalos de corrupção, desigualdades gritantes e promessas de um futuro melhor que nunca chega. Em um mundo hiperconectado, fake news, celebridades instantâneas e o culto à performance substituíram parte da realidade. A meritocracia é questionada, o racismo estrutural está finalmente sendo nomeado, e o machismo ganha novas (e velhas) faces nas redes.

É nesse caldeirão que Manuela Dias mergulha para reescrever Vale Tudo. A autora já sinalizou que pretende ampliar o debate da novela original para questões como:

  • Racismo estrutural e mobilidade social: até que ponto a cor da pele continua definindo o acesso ao sucesso?
  • A nova classe média e a ilusão do consumo: o que mudou (e o que não mudou) no desejo de “vencer na vida”?
  • Influencers e fama digital: o que vale hoje para alcançar status e visibilidade?
  • Corrupção 2.0: dos lobbies empresariais aos esquemas nas redes sociais e criptomoedas.
  • Família e disputas de valores: como os conflitos geracionais refletem novas éticas de sobrevivência?

Se a Vale Tudo de 1988 já incomodava por revelar as fissuras de uma sociedade em transição, a versão de 2025 promete cutucar feridas mais profundas – num tempo em que as verdades são líquidas e a indignação, volátil.

Malu Galli, Paolla Oliveira, Taís Araújo e Bella Campos no versão de 2025 de Vale Tudo | FOTOS: divulgação / TV Globo

QUEM É QUEM – Antes e Agora

PersonagemElenco original (1988)Remake (2025)
Raquel AccioliRegina DuarteTaís Araújo
Maria de FátimaGlória PiresBella Campos
Ivan MeirelesAntônio FagundesRenato Góes
Odete RoitmanBeatriz SegallDébora Bloch
Marco AurélioReginaldo FariaAlexandre Nero
Heleninha RoitmanRenata SorrahPaolla Oliveira
César RibeiroCarlos Alberto RiccelliCauã Reymond
Afonso RoitmanCássio Gabus MendesHumberto Carrão
Solange DupratLídia BrondiAlice Wegmann
Leila CantanhedeCássia KisCarolina Dieckmann

Débora Bloch e a temida vilã Odete Roitmann na versão de 2025 de Vale Tudo | FOTO: divulgação / TV Globo

O QUE ESPERAR

A trama central permanece fiel à original de 1988, explorando temas como ética, corrupção e ambição desmedida. No entanto, a nova versão atualiza o contexto para refletir as transformações sociais e culturais do Brasil contemporâneo, abordando questões como racismo estrutural, desigualdade de gênero e o impacto das redes sociais na construção da imagem pública.​

A escolha de Taís Araújo para o papel de Raquel Accioli, por exemplo, adiciona uma camada significativa à narrativa, trazendo à tona discussões sobre representatividade e os desafios enfrentados por mulheres negras em uma sociedade marcada por preconceitos. Além disso, a dinâmica entre Raquel e sua filha Maria de Fátima, interpretada por Bella Campos, promete reacender debates sobre os limites da ambição e os valores familiares.​

Esperamos reencontrar o impacto, o incômodo e a profundidade que fizeram de Vale Tudo um divisor de águas na dramaturgia brasileira. Esperamos uma novela ousada, crítica, ágil e emocional. Esperamos uma trilha sonora à altura de Gal Costa cantando “Brasil”. Esperamos relembrar e nos surpreender ao mesmo tempo.

Esperamos, sobretudo, que Vale Tudo de 2025 seja mais do que uma homenagem. Que seja uma provocação. Que nos olhe nos olhos e pergunte, com coragem:

Que país é esse que construímos em quase 40 anos?

Com um elenco talentoso e uma abordagem contemporânea, o remake de Vale Tudo tem potencial para não apenas homenagear a obra original, mas também provocar reflexões profundas sobre o Brasil atual, questionando se, após quase quatro décadas, ainda nos perguntamos: vale tudo para vencer?

Cauã Reymond e Bella Campos – César e Maria de Fátima do remake de Vale Tudo | FOTO: Fábio Rocha / TV Globo

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