HELEN | Longa é um sopro de esperança em meio à brutalidade cotidiana

Fundada em 2006, a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto celebrou sua 15ª edição em formato digital, entre os dias 3 e 7 de setembro, visando garantir uma maior segurança no combate à pandemia do coronavírus.

Com uma programação intensa, diversificada e totalmente gratuíta o evento alcançou mais de 100 mil acessos vindo de 54 países diferentes. Baita sucesso, não é mesmo?

No total, foram exibidas 103 produções separadas por mostras temáticas, como: Histórica, Educação, Mostra Valores, dentre outras.

O filme Helen, fez parte da Mostra Contemporânea. É o primeiro longa-metragem de André Meirelles Collazzi, que além da direção também foi o responsável pelo roteiro.

A trama conta a história de Helen (Thalita Machado), uma garota de apenas nove anos que mora em um cortiço no bairro do Bixiga, em São Paulo. Quem a cria é sua avó paterna, dona Graça (Marcélia Cartaxo) que além de fazer faxina e agir como uma espécie de zeladora do cortiço, vende espetinhos durante à noite na frente de sua casa. Contudo, ela não tem alvará da prefeitura para funcionar, e precisa ter cuidado para não ser pega.

Helen é uma criança normal, que entre a ida à escola e a brincadeira de rua com seus amigos, arruma um tempinho para ajudar sua avó: seja nos afazeres domésticos, cuidando de crianças ou vendendo espetinhos.

Ela é doce, sonhadora e sua personalidade contrasta com o mundo onde vive. Sua mãe nunca lhe deu muita bola, assim como seu pai que vive viajando e fazendo trabalhos como caminhoneiro, seu único refúgio está em dona Graça. E é graças a esse amor que a única preocupação de Helen, no momento é comprar um kit de maquiagens importado para presentear a avó em seu aniversário.

Ter Marcélia Cartaxo em algum projeto é com certeza uma honra tremenda. A atriz paraíbana de 56 anos já é reconhecida internacionalmente por seu trabalho. Em 1986 ganhou o Urso de Prata como Melhor Atriz no Festival de Berlim, pelo desempenho como Macabéa, na adaptação do clássico A Hora da Estrela, de Clarice Lispector.

Ela também tem quatro Candangos ganhos com os filmes Big Jato (2016), 16060 (1995), Fronteira das almas (1987), além claro do clássico A Hora da Estrela. No ano passado, ela foi reconhecida em Los Angeles e em Gramado, vencendo seu primeiro kikito com a personagem Pacarrete, no longa de mesmo título. Isso se deixarmos de contar diversos outros prêmios, como o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e o Prêmio Guarani.

Dona Graça é uma personagem como muitas e muitas mulheres do no nosso Brasil. Trabalha durante o dia, faz bicos conforme a necessidade e ainda precisa encontrar uma forma de complementar a renda para sustentar a família. É uma avó que poderia ser a minha. É uma mãe que poderia ser a de muitas pessoas, inclusive a do leitor.

E toda a carga emocional da personagem casa com o carinho que recebe da neta Helen, interpretada por Thalita Machado. Tudo que a personagem faz pela avó, é compreensivo. Fácilmente muitas pessoas do Brasil se reconheceriam em Helen, ou em sua avó Graça. O esforço e o amor é a base da relação das duas.

A pequena Thalita ganhou seu primeiro papel após o diretor testar cerca de 400 meninas que estudavam nas escolas públicas do Bixiga. Apesar de estreante, ela já demonstra grande carisma em tela e espero que em breve possamos ver mais e mais do seu trabalho.

Outra participação no longa que, apesar de menor, traz todo um brilho é do ator e cantor Tony Tornado. Hoje, já com 90 anos sempre que seu personagem, o motorista Antônio aparece em cena, é um frescor para o público. Sempre bom vê-lo na ativa.

O longa é um retrato da classe média-baixa paulistana. Passeios pelas ruas, e por dentro do cortiço nos trazem a atmosfera daquela vida que é dura, mas ao mesmo tempo cercada de amor e carinho. É uma obra atual, que aborda a pobreza, a dificuldade de se conseguir emprego, a violência policial à população negra, através da vivência de dois novos inquilinos do cortiço, que são perseguidos pela cor da pele.

O fato de Helen querer comprar um kit de maquiagens para sua avó é algo simples, corriqueiro. E é essa a atmosfera que o filme nos traz. André Meirelles Collazzi sabe traduzir que aquele desejo é mais do que um simples kit para se maquiar. Não é só uma futilidade, é um presente para a avó que tanto lutou e ainda luta por ela. É algo que as uniria em prol de uma coisa comum, que não fosse trabalho ou obrigação, mas sim uma forma de lazer.

Essa indicação não está escancarada, não está escrita e não está no texto das personagens. Está no longa de forma subjetiva. É preciso mergulhar de cabeça na obra e deixar-se fazer parte daquele universo.

A cada vez que se encontra com seus pais, já separados, Helen insiste para que eles compareçam no aniversário de Dona Graça. É uma tentativa de unir a família que ela conhece como dela, mesmo que seus pais sejam chamados pelo nome. Isso também tem um significado.

Helen acredita que através desse presente e dessa festa, vai conseguir resolver seus problemas. No caso, reunir a família e ter uma vida mais amena.

A direção nos ajuda com essa construção que ao mesmo passo que é bruta, traz uma singeleza tocante e bem trabalhada.

Helen é como um sopro de esperança em meio ao caos e a brutalidade cotidiana. E isso é o que mais precisamos no momento: esperança!

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