Por tOn Miranda
JÚLIO OLIVEIRA (assim mesmo em caixa alta) é sinônimo de talento, intensidade, profundidade e entrega. Ele é daqueles artistas que carregam a marca indelével dos inesquecíveis. É praticamente impossível ele estar numa produção, seja no palco, nas telas ou nas telinhas e passar desapercebido o seu imenso talento. E o talento de Júlio, não para somente na atuação, ele também se aventura como produtor, dramaturgo e diretor.
Seja qual for a função que ele esteja desenvolvendo, a sua presença faz de uma coxia ou bastidores uma verdadeira harmonia repleta de alto astral. Segundo Bia Izar, grande produtora e gestora cultural que o conhece desde 2011, “o Júlio tem essa inquietação que é muito bacana, que é muito positiva para o ator e de buscar sempre caminhos, de experimentar coisas novas pra tentar desenvolver. E depois um lado também, que aqui no Brasil eu acho imprescindível pra sobrevivência, que é a questão de você também aprender o oficio da produção e de como ser autossuficiente, de buscar caminhos pra viabilizar seus projetos, então ele começou também a dar umas pinceladas nesse sentido de produção ou de buscar parcerias pra viabilizar os projetos dele. Nesse processo todo eu vi uma grande maturidade, um amadurecimento muito grande profissional. Eu acho o Ju um ator intenso e brilhante, criativamente aberto, disponível e ele está fazendo uma trajetória muito bacana, ele tem muito potencial pra crescer bastante, é visível.”
Já seu amigo, o ator Victor Garbossa, define o amigo da seguinte maneira: “O Júlio é de uma grandeza, é um cara de muita atitude, ele é iluminado, sempre alto astral, ele é uma referência de grande artista e de grande pessoa e isso que é legal nele. Autêntico, é parceiro na vida e nos palcos, isso que faz o Júlio ser muito Júlio, ele consegue imprimir muito a particularidade dele aonde quer que ele vá. Ele é um cara que dá sempre prazer quando você fala: que sorte que eu tenho de ter o Júlio nesse projeto, como ator, como diretor, como o que ele se propõe a fazer, porque tudo que ele faz é com muito amor, com muita garra, ele entrega sempre o coração e alma no que ele faz. Sucintamente esse é o Júlio Oliveira. ”
A trajetória desse jovem artista de apenas 31 anos é admirável e é com grande honra e muito prestígio que ele é meu convidado para estrear a minha nova coluna aqui no portal do Canal Diversão & Arte: BASEADO EM FOTOS REAIS, onde o artista convidado passeia por sua jornada através da Fotografia que é a Arte do registro, a arte do momento, a arte do instante. Num primeiro momento eu apresento uma curadoria de três fotos e o convidado relata as lembranças e memórias que aquele registro o provoca. Num segundo momento, o convidado escolhe uma foto pessoal de algum momento marcante pra ele da sua trajetória e num terceiro e último momento, o homenageado escolhe uma capa de um álbum ou de um single de uma trilha sonora ou artista que represente muito a sua vida ou algum momento dela.
As três primeiras fotos que escolhemos as duas primeiras revelam dois momentos distintos nos palcos paulistanos na carreira do Júlio Oliveira: Dzi Croquettes de 2017 e Píramo e Tisbe de 2011. A terceira foto é o cartaz do filme Salve Geral de Sérgio Rezende de 2009. Vamos embarcar nas memórias de Júlio Oliveira?
“Dzi Croquettes veio num momento muito especial da minha vida, porque eu entrei pra fazer uma novela bíblica, era o meu segundo trabalho bíblico na Record, eu estava assinando o meu novo contrato, eu tinha saído das novelas da Globo, eu tinha trabalhando lá em duas novelas da sete em seguida. Eu entrei na novela, inicialmente, pra fazer cinco meses de novela, e a novela durou quase dois anos, foi um grande processo, o personagem deu certo, a autora foi generosa, a equipe foi maravilhosa, a Record foi super agregadora comigo, e eu estava com a vontade de fazer um trabalho bem diferente, o teatro tem essa versatilidade que pode trazer pra gente. Já tinham me falado, inclusive: ‘Nossa, Júlio, é a sua cara fazer o Dzi Croquettes’, eu lembro que tinha sido um grande acontecimento no Rio de Janeiro, eles estavam vindo pra São Paulo, até que veio o convite, o produtor, junto com o Ciro Barcelos, eu estava fazendo uma nova produção do ‘Eu Nunca’, num novo teatro em São Paulo, e eu convidei eles para irem na minha estreia. Eles foram na estreia, gostaram do meu trabalho e, graças a Deus, me convidaram. Nessa mesma época eu fiquei muito mal, eu fiquei doente no meio dos ensaios, eu fiquei internado, eu lembro como se fosse hoje, eu fugi do hospital, que ficava em Jundiaí, pra vir fazer a estreia do espetáculo e foi uma das coisas mais significativas na minha vida, porque a minha melhora aconteceu estreando. Eu precisava dessa energia, desse vigor, pra fazer com que o meu corpo voltasse a funcionar e eu me recuperasse da maneira como eu estava. Foi muito aprendizado, o que eu mais amei foi poder colocar uma energia masculina na mistura de um corpo feminino, com danças agressivas, com danças sutis, com músicas extremamentes deliciosas, poderosíssimas, ao lado de gente muito incrível e ao lado do Ciro, que é uma representação de uma época que facilitou muito pra gente, uma galera que foi resistência numa época que a gente nem sabia o que era o conceito disso. Me marcou de uma maneira surpreendente. Eu lembro das pessoas muito espantadas, desde que eu comecei a trabalhar na Globo, eu saí em muitas matérias, saí na Caras, fui colírio Capricho, todos os grandes veículos que você possa imaginar, eu já fiz muita coisa ou pelo menos um pedacinho de cada um, mas a maneira como foi polêmico, como eu saí de uma novela bíblica e topei fazer o Dzi Croquettes, é só você bater o olho na foto, foi muito forte, muito significativo, muito importante pra mim, e me fez me tornar ainda mais camaleão, que eu acho que é a função básica de nós atores.”
“O Píramo é a minha paixão. O Píramo é o meu menino dos olhos. Eu estava, literalmente, saindo de uma paixão e esse personagem chegou para ensinar uma coisa muito forte em minha vida. Píramo e Tisbe é uma história que precede Romeu e Julieta. Até hoje, todos acham que a história fala de amor, e Romeu e Julieta não fala sobre isso, fala sobre paixão! É a paixão que levam os dois jovens a loucura, ao ímpeto, ao seguir a intuição que se quer naquele momento, sem pensar possivelmente nas consequências do que aquilo pode ocasionar ou trazer. Então poder fazer esse espetáculo, naquele momento da minha vida, eu também estava saindo de uma novela, tinha acabado de fazer Ti Ti Ti na Globo, e eu fiz uma turnê pelo Brasil de cento e doze cidades, sem parar, de segunda a segunda, quando eu cheguei em São Paulo eu recebi a ligação do Vladimir Capella, que eu já o conhecia, ele sempre foi o grande rei do império SESI, com todas as grandes produções que ele fazia, todas extremamente premiadas, então contar essa história naquela época pra mim foi maravilhoso, eu fiz um processo de workshop de quinze dias com as pessoas, os atores e atrizes mais lindos que você possa imaginar, todos com um corpo super atlético, e eu mirradinho, fiquei imaginando que eu teria um pontinha pra fazer lá no canto, mas não, quando veio a leitura me veio o protagonista, foi uma grande surpresa! Era uma remontagem de uma montagem de 15 anos atrás, e com esse espetáculo eu ganhei a indicação de Melhor Ator do Prêmio FEMSA Coca-Cola. Me deu muita repercussão, foi muito importante também. Carregar uma produção daquele tamanho com o título de protagonista, ao lado de gente incrível, é de uma responsabilidade muito grande, eu tinha uma responsabilidade vocal enorme, além da interpretação, é claro. Eu estava ao lado de uma parceira maravilhosa, que foi a Greta Antoine, e de uma monstra que foi a Magali Biff, nas quais eu tenho uma relação até hoje, tamanha a admiração por elas. O Vladimir ele foi uma pessoa que me marcou num lugar muito único, é até triste falar sobre isso, mas ele é a primeira pessoa que eu conheci na minha vida de verdade, que eu sei que foi embora desse mundo, que morreu de tristeza, eu nunca conheci uma pessoa de fato que tivesse morrido disso, achei que só havia nos livros e não. O Vladimir sabia falar sobre dois aspectos muito incríveis em todas as obras dele, sobre o amor não correspondido e sobre a solidão, ele escrevia isso como ninguém, ele era um Shakespeare. Hoje é um texto que eu morro de vontade de remontar, porque ele me ensinou coisas que com certeza eu levo até hoje na vida. ”
“O Salve Geral foi uma das maiores histórias de ousadia da minha vida. Por que? Eu fazia (Escola) Wolf Maya e eu tinha acabado de fazer um espetáculo no Teatro Shopping Frei Caneca, no qual ninguém recebeu, todos levamos um grande calote, a velha história do ator iniciante. Eu fiz uma amizade muito boa com pessoal do teatro, da administração, aí um belo dia eu fui ao teatro para visita-los, eu estava no intervalo de aula no Wolf, e tinha um cartaz de aviso pra toda equipe de manutenção, escrito: ‘AMANHÃ DEIXAR O PALCO LIMPO ÀS 11H PARA TESTE DO FILME DO SÉRGIO REZENDE”. Eu tinha acabado de assistir Zuzu Angel, eu associei uma coisa à outra e falei: ‘o que? Eu vou aparecer aqui pra fazer o teste amanhã’. Cheguei no teste e de cara, era um teste que já tinha sido iniciado, já estava numa segunda ou terceira fase, tinha hora marcada, atores que já estavam no call-back, e de cara eu encontrei a Denise Weinberg, outra demônia do nosso teatro, incontestável. E eles tentaram me explicar: ‘olha a gente tem horário marcado, não sei se dá muito bem, não é bem assim’, eu fui realmente com muita ousadia, com muita sede ao pote, até que eu consegui convence-los e me deixaram eu fazer o teste. Eu decorei o texto na hora e fiz, e a Denise, muito agregadora, ela foi uma mãezona, literalmente, porque ela era a minha mãe no filme, ela me deu a atenção que eu precisava e pediu para que o Sérgio desse uma atenção para o meu teste. Então o Sérgio veio pra São Paulo e assistiu o meu próximo teste, o qual eu tive um pouquinho mais de tempo pra me preparar, eu fiz teste para o protagonista do filme, que era filho da Andréa Beltrão, papel feito pelo Lee Taylor, do Antunes, mas eu consegui, mesmo não tendo perfil para fazer esse papel, conquistar um outro, que foi o HD. Eu trabalhei ao lado de gente muito grande, a Andréa Beltrão, a Andréa pra mim é uma das maravilhas que a gente tem no Brasil, ela é uma relíquia, ela é muito precisa, cirúrgica. Trabalhar no cinema ao lado de gente tão genial, o Sérgio é um homem que sabe exatamente o que quer, ele é do tipo de diretor que está no set e que vem até você e fala baixinho: eu quero isso, isso e isso. Acho que eu nem tinha dimensão direito do que eu estava fazendo, mas eu tinha muito amor, muita dedicação, era o trabalho da minha vida naquele momento, tanto que quando estreou, o filme foi escolhido pra representar o Brasil no Oscar, caso o Brasil concorresse, então foi uma maravilha. Eu fiz amizades maravilhosas, conheci Gui Santana, do TAPA, Otavio Martins, Kiko Mascarenhas, eu tive muita sorte por causa da minha ousadia, mas eu acho que eu soube valorizar pois eu me dediquei bastante pra esse trabalho, claro a gente vai amadurecendo, vê muita coisa que poderia fazer melhor, mas que bom que tem alguém, que tem pessoas como o Sergio, e a Julia também, que é filha dele, um anjo, no qual eu tenho contato até hoje, inclusive já tentou me colocar em outros trabalhos, mas agenda não bateu, espero que aconteça em breve. É muito bom ter alguém que olhe pra você e te veja um pouco além do que você é, acreditando que você tenha algo a mais a oferecer. ”
Júlio escolheu a foto desse espetáculo Equus, que ele fez em 2012, substituindo o ator Leonardo Miggiorin e que promete agora vir numa nova montagem protagonizada e produzida também por Júlio Oliveira. Já a capa que ele escolheu como trilha sonora é do disco EXAGERADO de Cazuza, do ano de 1985. Confira:
“Essa foto é de Equus, a montagem que eu fiz, substituindo o querido Léo Miggiorin, que me indicou pra fazer o teste com o Alexandre Reinecke e trabalhei ao lado de monstros como Elias Andreato. Essa foto representa muito pra mim, porque existe um momento muito conhecido nesse texto clássico, de 1973, do Peter Shaffer, que o garoto fica nu em cena, quando aconteceu com Daniel Radccliffe lá no West End e depois na Broadway, foi um grande comentário, porque ele era o garoto do Harry Potter’s, mas se você parar pra pensar e analise a história como um ator mesmo, você descobre que a cena é mais do que bonita, ela é necessária, ela precisa acontecer com a nudez pra que faça sentido e a nudez é um tabu pra muitos de nós. Quando apareceu pra mim essa oportunidade de realizar esse espetáculo, eu já sabia que a nudez existiria, mas eu nunca tive tempo pra trata-la como uma questão, porque eu queria muito esse papel, mas eu queria demais! Mesmo sabendo que eu não estava preparado pra ficar nu em cena, eu tive que lidar com isso de uma maneira artística e imediata. O que eu quero dizer com isso? Eu não ensaiei nu em nenhum momento, eu só fiquei nu na minha estreia. E a minha estreia era com imprensa, era com muitos amigos, então era muito íntimo e representativo pra mim e eu só tinha que fazer, eu só tinha espaço pra fazer, eu não tinha espaço, eu não tinha tempo pra ter a dúvida, pra ter todos aqueles tabus, eu tinha que realizar. Eu fiz o que eu deveria ser feito desde início, se colocar em prol do personagem, é só o que a gente faz, a gente vai amadurecendo e fazendo isso com mais facilidade com o passar dos anos. Eu tenho muito orgulho de mim mesmo, eu tenho muito orgulho daquele garoto que mesmo com aquilo sendo uma grande questão, ele a transpassou, ele conseguiu realizar em prol de algo que ele queria muito. Quando eu olho esse trabalho eu tenho muito orgulho do que ele representa e da maneira que eu consegui lidar com ele naquele momento e da oportunidade que me deram ao acreditarem que eu pudesse substituir o Léo que fazia magistralmente, tanto que é um sonho muito grande da minha vida e eu estou retomando esse trabalho pra realizar agora com uma produção minha.”
“Chega a ser até irônico eu escolher essa capa porque eu ouvi a vida inteira de que eu era uma pessoa intensa demais e que Exagerado é a minha música e eu realmente acreditei nisso, pois eu me identifico com essa pessoa exagerada, intensa, que se dá demais, só que eu descobri num lugar muito único, que eu não me considero uma pessoa exagerada, eu realmente acho que a sociedade de maneira geral e as pessoas a minha volta vivem duas doses abaixo do que seria o normal, as pessoas que quando gostam se mascaram, quando mentem se mascaram, quando querem dizer não, não dizem, eu não passo por isso, não sei se é falta de noção ou se é coragem, mas eu digo, quando eu gosto eu gosto muito, quando eu estou apaixonado eu aviso, quando eu quero eu quero, se é casual é casual, se é pra investir é pra investir, sim é sim, não é não, talvez é talvez, não tem extremismo, mas tem objetividade e eu sinto que isso incomoda as pessoas, a ponto de quando me consideram uma pessoa exagerada, nunca é como um elogio, mas sim como alguém que é um ponto fora da curva e eu não me incomodo em ser, do fundo do meu coração. Eu escolho esse álbum, não pelo título dele EXAGERADO, mas pela ironia que ele representa pra mim.”