Quando entramos na plateia do teatro Porto Seguro para apreciar a nova versão brasileira do clássico da Brodway Funny Girl – A Garota Genial nos deparamos com um cenário fixo que nos transporta automaticamente para um subúrbio com grandes referências à época da primeira guerra mundial (período no qual a história é contada). Paredes de tijolos, estruturas metálicas e iluminação intimista, todas essas características gritam a arquitetura industrial da época, e a cereja do bolo é a orquestra exposta no mezanino incorporada à cenografia.
O espetáculo conta a história da jovem judia Fanny Brice, uma atriz que assim como muitas no ramo, sonha com o estrelato e a fama.
Mesmo sendo desprezada por praticamente por todos, ela rouba os holofotes num show local e é contratada por um famoso produtor que resolve investir em sua carreira.
Giulia Nadruz, veterana do teatro musical brasileiro, transita com facilidade no humor ácido da personagem, e ao mesmo tempo que consegue nos carregar com sua emoção em músicas lentas, nos faz querer gritar em canções com notas mais altas e explosivas (características da versão original do espetáculo).
Apesar da personagem ter o humor como uma de suas características cênicas, o alívio cômico do espetáculo é de responsabilidade da irreverente Stella Miranda, que interpreta a mãe de Fanny. Aos saudosos amantes de “Toma Lá dá Cá” essa é uma oportunidade de matar a saudade da voz inconfundível da lenda que interpretou Dona Alvará nas telinhas da Globo.
O tempo passa, e agora com o investimento certo, Fanny conquista seu espaço, sucesso e fama e acaba conhecendo o jogador compulsivo Nicky Arnstein, interpretado pelo novato em musicais Eriberto Leão.
Os dois acabam se apaixonando loucamente e esse relacionamento é um divisor de águas na narrativa da peça. Eu diria que o primeiro forte enredo é a protagonista lutando para conquistar o seu lugar ao sol, e após conhecer seu amado, o enredo se volta para a relação deles e como Fanny passa a ter comportamentos compulsivos, abusivos, psicologicamente questionáveis e contraditórios. Em resumo, enquanto a carreira da atriz e cantora prospera, o relacionamento dos dois se deteriora.
Um outro ponto importantíssimo dessa nova versão é que ela é uma nova leitura.
A adaptação brasileira assinada por Bianca Tadini e Luciano Andrey, dirigida por Gustavo Barchilon e produzida pela Barho Produções em parceria com a 7.8 Produções Artísticas repaginou o espetáculo com o aval da equipe criativa original, para que ele pudesse atender a contemporaneidade que vivemos. Para se ter ideia do nível de mudanças, há músicas que só existem na versão do filme de 1968 e nem chegaram perto dos palcos da Broadway, mas entraram para a adaptação brasileira.
“Os clássicos são fundamentais, mas é importante revisá-los, sem que a essência se altere”, justifica o diretor. “Basta mexer em uma ou outra palavra que tudo ganha um sentido mais adequado aos dias atuais.”
Outro ponto interessante do texto é a quebra da quarta parede, onde em alguns momentos os personagens interagem diretamente com a plateia aumentando a imersão no enredo.
Assistindo Funny Girl – A Garota Genial refleti sobre as diversas semelhanças com a realidade do universo de quem trabalha com arte e cultura no brasil. A maratona para se ter uma oportunidade, as dificuldades de conciliar vida pessoal X vida profissional, além da falta de incentivo externo que assombra muitos profissionais da área.
É impossível não se conectar com o espetáculo e perceber que estar em cima do palco é sempre uma oportunidade de criar, não só as suas memórias, mas também as do público, e talvez seja essa a maior dádiva de ser artista.
SERVIÇO
Funny Girl – A Garota Genial
Onde: Teatro Porto. Alameda Barão de Piracicaba, 740, Campos Elíseos.
Quando: Sexta, 20h; sábado, 16h30 e 20h; domingo, 15h30 e 19h. Até 8 de outubro. A partir de sexta (18).
Victor Soriano é ator, produtor e comunicador graduado em Rádio, Televisão e internet pela universidade Anhembi Morumbi e pós-graduado em gestão cultural pelo Instituto Singularidades.
Desde da época do colégio sabia que os palcos e o que haviam por traz deles chamavam sua atenção, por isso começou com as aulas de teatro na sexta série.
Paulistano raiz, ama uma oportunidade de socializar com os amigos, circular no meio artístico e prestigiar o fazer cultural que pulsa na cidade.
Trabalha a mais de 10 anos no Núcleo de Formação do Itaú Cultural, além de ser produtor em uma das maiores produtoras de entretenimento do estado.
Apaixonado por musicais, filmes e séries está sempre aberto a trocar e se relacionar.