Em cena, o ator apresenta seu inventário pessoal sobre a vida e a obra do artista. O trabalho traz à tona temas como identidade, masculinidade e a desestigmatização das pessoas que vivem com HIV
Crédito: Lenise Pinheiro
Em 2024, Laerte Késsimos completa 20 anos de carreira como ator e faz nova temporada de seu monólogo Ser José Leonilson, em que costura a sua própria trajetória com a vida e a obra do artista plástico cearense José Leonilson, morto em 1993, vítima da Aids.
A nova temporada da acontece no Teatro Cacilda Becker de 9 a 25 de agosto. Paralelamente às apresentações do espetáculo, estará também em cartaz a primeira mostra individual de Laerte Késsimos, a exposição COMO SE DESENHA UM CORAÇÃO?, que apresenta o expoente de seus trabalhos, criados entre 2017 e 2019.
São desenhos, pinturas, bordados e objetos – “objetos de desejo e de curiosidade” – criados numa relação direta, ora de espelhamento, ora de duplicidade, com os trabalhos do artista plástico José Leonilson (1957-1993). Inspirações, traduções e revisitas à obra de Leonilson são materializadas em obras visuais que constituem, além da exposição, o alicerce temático do solo autoral inspirado na vida e obra do artista cearense.
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Ser José Leonilson é dirigido por Aura Cunha e conta com música original de Marcelo Pellegrini, cenário de Marisa Bentivegna e iluminação de Aline Santini.
Elaborado a partir dos depoimentos (biográficos e artísticos) do artista plástico brasileiro e registros sonoros feitos pelo próprio Laerte durante o processo de criação e pesquisa, o espetáculo traz à tona temas importantes da atualidade como identidade, a questão da masculinidade em nossa sociedade e a desestigmatização das pessoas que vivem com HIV.
Em cena, Laerte alinhava um tecido diante do público unindo as inquietações dos dois artistas: a feitura artística como um autorretrato, a casa de infância como um ambiente de domesticação, a sexualidade como campo de batalha, as pontes amorosas como uma travessia e a doença como uma reconciliação com nossa finitude.
Aproximando-se de forma direta da obra de Leonilson, o próprio processo de investigação de Laerte, os vestígios da criação, os áudios que dão dimensão histórica ao cotidiano criativo são, eles próprios, a obra. Um bordado em que frente e verso são compartilhados publicamente – suas amarras, cortes, sobras de linha, correções, imperfeições, pontos e nós.
O espetáculo é um monólogo que mistura artes visuais (projeções em vídeo), narração de histórias (a transposição para o palco de relatos biográficos gravados durante o processo) e documentário (a vida e obra de Leonilson) se misturam em um ateliê de costura que é também um palco.
Laerte Késsimos expõe não só a sua biografia (em relatos íntimos gravados e reencenados diante do público), mas também seus quadros, bordados e criações audiovisuais – operando, narrando e expondo suas criações ao vivo. Trata-se, portanto, de um evento biográfico e multimídia que tenta unir elementos do próprio teatro, das artes plásticas e do vídeo. Esse trânsito sem fronteiras entre o relato pessoal e a criação artística traz para o palco questionamentos urgentes: como uma obra de arte tão pessoal pode servir a uma discussão pública? Como a exposição sem pudores de uma intimidade pode ser um ato revolucionário em meio à falência social?
Assim como a obra de Leonilson não pode ser desassociada da vida do artista, por expressar sempre o caráter confessional de um diário íntimo, a encenação coloca, em primeiro plano, o duplo Laerte/Leonilson – uma ponte entre a vida e obra do artista morto em 1993 à vida e presente obra do sujeito artístico Laerte Késsimos, e as coincidências e dissonâncias entre as obras e vidas dos dois artistas.
Referencias íntimas e cotidianas sustentam o diálogo com o público – resultado do desejo íntimo de Laerte Késsimos em jogar o jogo favorito de Leonilson – a intersecção entre ficção e realidade; entre o íntimo e o público; entre o diário e a afirmação política; entre o bordado real e a descrição de uma paisagem; entre a biografia de Laerte e os bordados de Leonilson.
Organizada como um documentário poético em que a vida de Laerte (e a feitura desse espetáculo) se entrelaça aos diários, gravações e depoimentos de Leonilson, a montagem não está preocupada em levantar um edifício ficcional. Antes, contenta-se com o relato e a descrição de obras, criando um ambiente poético que não abandona a narrativa e o contato direto com o público. Os artifícios técnicos, como a projeção de imagens e a tessitura de palavras em tecidos, pretendem trabalhar para reunir o humano na direção de um objeto estético que não nos pede necessariamente o mesmo olhar, mas nem por isso deixa de nos reconhecer como coletivo.
Diante do público, constrói-se um panorama não só interior, mas também exterior, de nosso tempo e do mundo ao nosso redor. Nos tempos atuais, em que a opressão e o conservadorismo se erguem como uma onda alta que pode nos derrubar com força, trazer à tona um artista gay (vale ressaltar a tragédia que é esse ainda ser um tema controverso em nosso país); que viveu com HIV/AIDS (esse tema migrou de uma epidemia para um preconceito escondido e silencioso) e a favor de uma política subjetiva e íntima (quando a subjetividade e a intimidade são os primeiros alvos de políticas opressivas) é, em si, um ato político.
Sobre Laerte Késsimos
Nascido em 1982 na cidade de Governador Valadares em Minas Gerais, o ator é formado pela Escola de Teatro Ewerton de Castro, e vive em São Paulo desde 2001 onde desenvolve seu trabalho como ator e artista visual. Neste ano de 2024 Laerte comemora 20 anos de carreira, tendo atuado em mais de 30 espetáculos de teatro. Na capital paulista fez parte do elenco da Cia de Teatro Os Satyros, e é artista colaborador do Núcleo Experimental de Teatro desde 2012. Atuou em peças de destaque no cenário do teatro paulistano, sob direção de grandes diretores, entre eles: Zé Henrique de Paula, Christiane Jathay, Rodolfo García Vázquez, Lavínia Pannunzio, Eric Lenate, Hugo Possolo e Ivam Cabral.
Artista multidisciplinar, atua também como artista visual em diversas áreas, como pintura, escultura, desenho, artes têxteis, artes gráficas, bordado, fotografia, cinema e vídeo, dirigindo e editando filmes e vídeos.
Sua produção em artes visuais é de grande maioria recente (a partir de 2017) tendo realizado a exposição individual COMO SE DESENHA UM CORAÇÃO, parte do projeto SER JOSÉ LEONILSON, projeto que revisitava a obra e biografia do artista falecido em 1993, vítima da AIDS. No cinema já atuou em diversos curtas e fez participações séries de tv e em alguns longas metragens.
Além de atuar no teatro Laerte trabalha na criação de filmes e projetos de vídeo mapping para diversos espetáculos, entre eles: Vozes da Floresta de Lucélia Sabtism; Odisseia, da Cia Hiato, com direção Leonardo Moreira; Dog Ville, com direção Zé Henrique de Paula; 1984, com direção de Zé Henrique de Paula, A Vida, de Nelson Baskervile; O Teste de Turing, de Paulo Santoro, dirigido por Eric Lenate; Com Amor, Brigitte, texto de Franz Klepper e direção de Fábio Ock; Sit Down Drama, de Michelle Ferreira; Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, dirigido por Eric Lenate; Inocência, de Dea Loher; e Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues e A Fauna, ambos dirigidos por Rodolfo García Vázquez.
Sinopse
Idealizado e criado por Laerte Késsimos, o espetáculo teatral “Ser José Leonilson” é uma costura poética entre a vida e obra do artista plástico José Leonilson (1957-1993) morto pela pandemia de AIDS, e a biografia do ator Laerte Késsimos. Um bordado ou um diário em que frente e verso são compartilhados publicamente – suas amarras, cortes, sobras de linha, correções, imperfeições, pontos e nós.
Ficha Técnica
Idealização e atuação: Laerte Késsimos
Direção: Aura Cunha
Dramaturgia e pesquisa: Leonardo Moreira
Cenografia: Marisa Bentivegna
Desenho de Luz: Aline Santini
Trilha Sonora Original: Marcelo Pellegrini
Pesquisa, figurino e direção audiovisual: Laerte Késsimos
Direção de Produção: Gustavo Sanna
Produção Executiva: Yumi Ogino
Assessoria de Imprensa: Pombo Correio
Co-produção executiva: PrumoPro
Realização: Prêmio Zé Renato, PrumoPro e Secretaria Municipal de Cultura
“Este projeto foi contemplado pela 18a Edição do Prêmio Zé Renato – Secretaria Municipal de Cultura”.
Serviço:
PEÇA: Ser José Leonilson, com Laerte Késsimos
EXPOSIÇÃO: Como se desenha um coração? no foyer do Teatro
Classificação: 16 anos
Duração: 95 minutos
Teatro Cacilda Becker
Endereço: R. Tito, 295, Lapa
Datas: 9 a 25 de agosto de 2024*
Horários: sexta e sábado, às 21h, e domingo, às 19h
*Sessões extras nos dias 14 (quarta), 15(quinta) e 22 (quarta) de agosto, às 21h
Ingresso: Gratuito – Presencial