Geraldo Sarno é um diretor baiano, nascido em 1938 na cidade de Poções. Ele se formou em direito, mas quis o destino que ele estudasse cinema em Cuba na década de 60 e tão logo passasse a brindar o público com suas cuidadosas obras.
Dentre elas, o documentário Viramundo de 1965, premiado nacional e internacionalmente, inclusive pelo Le Grand Prix do Festival de Évian, na França em 1966. A obra abordava a questão do fluxo migratório do nordeste para a cidade de São Paulo, de uma forma forte e poderosa que fez com que o diretor trouxesse o sertão para o centro de outras obras suas como Viva, Cariri.
Mas Geraldo também transitou pela ficção, tendo dirigido longas como Coronel Delmiro Gouveia que lhe rendeu o Troféu Gran Coral de Melhor Filme no Festival de Cinema de Havana e o Prêmio Candango de Melhor Roteiro, no Festival de Brasília, em 1978.
Em 2010, seu filme O Último Romance de Balzac fez com que recebesse do júri do Festival de Gramado uma honraria especial.
Geraldo Sarno já foi amplamente premiado e não precisa provar mais nada a ninguém. Sua brilhante carreira o precede. Mas eis que agora, aos oitenta e um anos de idade ele surpreende o público com um novo longa-metragem: Sertânia
Após o bando de Jesuíno (Júlio Adrião) invadir a cidade de Sertânia, Antão (Vertin Moura) é baleado, preso e deixado para morrer à própria sorte, enquanto através de sua mente febril entendemos como aqueles fatos aconteceram.
O filme não segue um tempo linear, ou seja, não vemos os fatos na ordem que aconteceram, mas sim através das lembranças da mente já delirante do protagonista. Essa montagem não linear ganha forma através da abordagem surrealista, onde Antão está entre a vida e a morte, com um pé lá e outro cá.
Todo em preto e branco, o filme traz, em meio às lembranças um retrato fiel do sertão nordestino brasileiro. Suas paisagens, seu solo, sua vegetação, suas pessoas e as mazelas as quais estão presas.
Mais do que somente uma estética em preto e branco para deixar a fotografia melhor trabalhada, o recurso faz parte da obra, faz sentido que esteja ali. É como se fosse um personagem a mais que nos toma pela mão e leva a conhecer o drama de Antão.
Aliás, não somente o dele, mas o da população em geral. Em alguns momentos o longa chega a lembrar um documentário, tão fiel que é a representação da fome e da miséria da pessoas. A violência na politicagem, nas pessoas e em suas armas de fogo. Muitas vezes vista pelo ponto de vista do febril Antão, onde a câmera ajuda nessa construção.
As atuações também são boas, os atores sobretudo Julio Adrião e Vertin Moura conseguiram captar o espiríto do roteiro e embarcar na brincadeira da direção, dando o tom perfeito, dosado entre a acidez e a brutalidade.
Aliás, Sertânia tem um quê de brutalidade, não só por conta dos personagens estarem sempre empunhando uma arma branca ou de fogo.
Tem brutalidade em sua abordagem. Misérie, fome, política, religião, vida e morte. Tudo de forma nua e crua.
Com oitenta e um anos de idade, Geraldo Sarno não está no centro da discussão do cinema brasileiro, mas deveria. Sua obra é arte, em estado puro e natural.
Este não é apenas mais um longa que fala sobre o dia a dia do sertão, com fomes, coronéis, igrejas e cangaceiros e vegetação. É um filme ágil, bonito e que faz da estética sua aliada e nos brinda com uma carta de amor aberta ao cinema, ao sertão e à história do Brasil.
Sertânia foi exibido através do Festival Ecrã e é uma das melhores surpresas do ano de 2020.