“É coisa nossa…”: O adeus a Silvio Santos e o fim de uma Era na Televisão Brasileira |MEU OLHAR

Do Reinado Absoluto ao Despertar de Novas Vozes e Perspectivas

Por tOn Miranda

A morte de Silvio Santos, em 17 de agosto de 2024, marca o fim de uma era na televisão aberta brasileira. Considerado o maior comunicador e empresário do setor, Silvio não apenas personificou o auge da TV, mas também simbolizou uma época em que certos valores e estruturas, como o machismo e a perpetuação do patriarcado, passavam incólumes por questionamentos. Hoje, em uma sociedade cada vez mais atenta à representatividade e à inclusão, a televisão enfrenta o desafio de se reinventar e se adaptar às demandas de novos tempos.

A TV dos Anos 80 e 90: Entre o Entretenimento e a Consolidação de Narrativas Dominantes

Nos anos 80 e 90, a televisão aberta reinava soberana, servindo como o principal veículo de entretenimento e comunicação para milhões de brasileiros. A programação era dominada por programas de auditório, novelas e telejornais que moldavam comportamentos e opiniões de uma sociedade que pouco refletia sobre as questões de gênero, raça, e orientação sexual. A TV daquela época não apenas refletia, mas reforçava as estruturas patriarcais e os padrões de beleza e comportamento que excluíam, ou marginalizavam, a diversidade. Era muito comum estes corpos serem invisibilizados ou estereotipados sublinhando um imaginário popular de exclusão.

Personagens femininas nas novelas, por exemplo, eram frequentemente estereotipadas em papéis subservientes ou hiperssexualizadas, enquanto a representação de negros, indígenas, LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência (PCD) era quase inexistente ou carregada de preconceitos. O próprio formato dos programas de auditório perpetuava o machismo, com concursos de beleza e quadros que objetificavam as mulheres. Silvio Santos, com seu carisma inegável, comandava programas que, apesar de populares, muitas vezes reforçavam essas narrativas excludentes.

Linha do Tempo:

Anos 80: A TV colorida se consolida, mas a representatividade é quase inexistente. As mulheres e as minorias raramente ocupam papéis de destaque fora dos estereótipos. As telenovelas, como “Roque Santeiro” e “Vale Tudo”, ainda que memoráveis, perpetuam um modelo de sociedade hierarquizado e pouco inclusivo.

Anos 90: Programas como “Domingão do Faustão”, “Domingo Legal” ou até mesmo o “Programa Silvio Santos” consolidam a cultura do entretenimento de massa, mas sem espaço para discussões críticas sobre diversidade e inclusão. Surge, no entanto, o “Castelo Rá-Tim-Bum” na TV Cultura, que, de forma pioneira, começa a introduzir temas como diversidade e inclusão de maneira mais lúdica.

A Transição para o Século XXI: O Despertar para Novas Vozes

Com a chegada do novo milênio e o advento da internet, a sociedade começou a questionar as antigas estruturas e a demandar por maior inclusão e representatividade. Os movimentos feministas, negros, indígenas, LGBTQIAP+ e de PCD ganharam força, exigindo espaço e voz tanto na sociedade quanto na mídia. A televisão aberta, outrora intocável, começou a sentir a pressão para se adaptar às novas realidades.

Linha do Tempo:

Anos 2000: A TV por assinatura e a internet ampliam as vozes disponíveis, mas a TV aberta ainda luta para se manter relevante. Reality shows como “Big Brother Brasil” começam a introduzir discussões sobre diversidade, ainda que de maneira inicial e muitas vezes controversa. A Globo exibe novelas como “O Clone”, que aborda temas como a islamofobia, mas sem aprofundar discussões sobre representatividade negra ou LGBTQIAP+.

Anos 2010: Com a ascensão das redes sociais e do streaming, a pressão por inclusão cresce. Novelas e programas começam a incluir personagens negros, LGBTQIAP+ e PCD com mais destaque, embora ainda de forma tímida. A audiência da TV aberta começa a se fragmentar, e novos formatos são experimentados para se conectar com uma sociedade em transformação.

A TV na Atualidade: Desafios e Oportunidades em um Novo Cenário

Hoje, a televisão aberta enfrenta uma realidade onde a inclusão, representatividade e a luta contra o patriarcado se tornaram temas centrais na sociedade. As antigas estruturas estão sendo desafiadas, e a televisão precisa se adaptar para sobreviver. Programas e novelas começam a refletir uma sociedade mais diversa, mas o processo ainda é lento e enfrenta resistências. A audiência, agora fragmentada, busca conteúdos que se conectem com suas realidades e experiências.

A morte de Silvio Santos simboliza o fim de uma televisão que, por décadas, refletiu uma visão limitada do que era ser brasileiro. No entanto, também abre espaço para uma nova era, onde a televisão pode e deve ser um espaço de construção de narrativas mais inclusivas, representativas e questionadoras das antigas estruturas de poder.

Linha do Tempo:

Anos 2020: A pandemia acelera o uso do streaming e redes sociais, e a TV aberta se vê desafiada a se reinventar. Surgem discussões mais profundas sobre representatividade, e programas começam a abordar temas de gênero, raça e diversidade com maior seriedade.

2024: A morte de Silvio Santos marca o fim de uma era e o início de outra, onde a televisão precisa se alinhar às novas demandas por justiça social, igualdade de gênero, diversidade e inclusão.

O futuro da TV brasileira está intrinsecamente ligado à evolução tecnológica e à demanda por conteúdos mais interativos e inclusivos. A TV aberta, tradicionalmente uma via de mão única, está se transformando em uma plataforma interativa, onde o espectador não é apenas um consumidor passivo, mas um participante ativo na construção da narrativa. Com a integração de tecnologias como a inteligência artificial, realidade aumentada e o 5G, a TV aberta interativa permitirá uma personalização inédita de conteúdos, oferecendo experiências imersivas e conectadas às demandas contemporâneas por representatividade e diversidade. Essa transformação não só renovará o formato tradicional da televisão, como também abrirá novas oportunidades para a inclusão de vozes diversas e a exploração de temas que refletem as complexas realidades da sociedade brasileira atual.

A TV aberta dos anos 80 e 90 será lembrada como um período de ouro, mas também como uma época em que certas vozes foram silenciadas. Hoje, a televisão enfrenta o desafio de se reinventar em uma sociedade que exige inclusão, representatividade e igualdade. O legado de Silvio Santos, com suas conquistas e contradições, permanecerá como um testemunho de um tempo passado. O futuro da TV aberta dependerá de sua capacidade de abraçar a diversidade e de refletir, de forma justa e inclusiva, a realidade de todos os brasileiros.

Deixe um comentário: