O BRANCO QUE MORA EM NÓS | CONTOS E CRÔNICAS

Em um dia cinzento, desses em que o Carnaval resiste mesmo depois do fim, blocos tocavam as tradicionais marchinhas logo ali, embaixo da minha janela.

No Bixiga, bairro da região central da cidade de São Paulo, não existe silêncio e nem barulho que perturbe. O som, constante, é o da alegria boêmia dos italianos que dão identidade ao lugar e dos artistas que ocupam cada quarteirão desse velho e desgastado pedaço de cidade.

Os cortiços há tempos tomaram conta dos casarões históricos. Se não há espaço para todos dentro de casa, a rua se tornou a extensão da sala e um lugar de convívio rico, vivo e potente com a vizinhança, com os passantes e com os curiosos de todo dia.

Eu, ouvindo a vida que pulsa do lado de fora da minha casa, silenciosamente encarava a tela em branco do meu computador. O desafio fora lançado: era preciso escrever um microconto.

Na manhã desse mesmo dia cinzento, eu havia escolhido fazer um curso de escrita de contos e crônicas, algo que há tempos gostaria de aprender.

A professora, uma figura interessante, escritora, foi amiga de Drummond e de tantos outros autores que povoam o nosso imaginário.

Ouvindo-a, cheguei à conclusão de que conhecer um outro – seja ele quem for – pelo olhar de um amigo, será sempre encantador. Os amigos são as melhores pessoas para contar ao mundo quem somos ou fomos.

Pensei então em meus amigos. Desejei escrever breves histórias sobre cada um deles. Mas a tela em branco, diante da novata escritora, gritava calada que ali nenhuma palavra caberia. E a tela em branco crescia diante dos anseios de escritora que gritavam em mim. As paredes brancas se misturaram a tela, a camiseta branca, o sapato sem cor, o copo de leite, os sonhos em branco, o presente, o futuro a ser escrito, o silêncio. As palavras que se desfaziam por entre meus dedos, me lembraram então do dia em que encontrei Chico Buarque.

Eureka! Sobre ele escreverei o microconto. O que vou contar? Contarei das palavras que me faltaram em nossa conversa que não aconteceu. Há um branco em mim. É o branco que mora em nós.

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