SHAME #tbt (2011)

Por Gustavo Vieira

Direção: Steve McQueen

Steve McQueen, nos traz Shame (do inglês, “vergonha”), um filme urgente, provocativo e ousado, tocando em um tema sensível à nossa cultura contemporânea: o comportamento sexual impulsivo e descontrolado, que gera conflitos ao sujeito. Não se trata de um filme moralista ou puritano, mas de um filme que questiona a relação que o homem contemporâneo pode estabelecer com o sexo ao seguir a lógica de consumo rápido e fácil que nossa cultura ocidental nos oferece.

O filme nos traz Brandon (Michael Fassbender), um sujeito de meia-idade, bem-sucedido, residente de Nova York, escravo de seu comportamento sexual destrutivo; Brandon vê sua rotina perturbada quando sua irmã Sissy (Carey Mulligan) decide passar um tempo em seu apartamento, gerando um conflito que parece ser insustentável. Não estamos simplesmente diante de um homem viciado em sexo; a reflexão que o filme propõe é como um sujeito bem sucedido e com acesso a todas as facilidades da vida moderna é escravo da pornografia e do sexo fácil (efêmero, de consumo rápido, às vezes violento). Brandon se acostumou de tal forma a anular sua afetividade, que se encontra em uma situação limite quando no momento em que uma de suas únicas relações afetivas ameaça se fazer presente em sua vida – com a irmã – tal relação se demonstra penosa, ou como ele mesmo diz, “um fardo”.

O filme é carregado com cenas de sexo, mas sempre perturbadoras, em que o expectador não é convidado a consumir a vida sexual de Brandon, mas a compreender sua angústia: quando vê sua relações de fácil consumo serem “ameaçadas” pela afetividade, Brandon passa a sofrer de forma aguda, pois já dissociou a intimidade do sexo com o afeto há muito tempo.

Logo na primeira cena o filme denuncia o que quer questionar: temos um enquadramento em “close-up” do pênis flácido de Brandon, caminhando por seu apartamento. O detalhe é que o pênis é propositalmente grande e a câmera segue o caminhar do personagem a partir do foco no órgão sexual. Se puxarmos na memória, não é difícil lembrar das representações do corpo masculino na Grécia antiga, por exemplo: o padrão estético da beleza tratava, sempre, de um corpo atlético e escultural, porém com o pênis pequeno proporcionalmente ao corpo (como na escultura de Davi). Isso porque, para os gregos clássicos, a masculinidade e a representação de força deveriam ser guiadas pela superioridade do intelecto e não do desejo: o sujeito deveria ser dirigido pela inteligência e sabedoria, e não pelos desejos sexuais; em outras palavras, a mente importava mais do que o pênis. Essa reflexão nos ajuda a compreender uma cultura que acreditava na primazia da razão sobre o corpo – não é à toa que, para a comédia grega clássica, os sujeitos considerados moralmente inferiores eram frequentemente representados de maneira animalesca, com pênis enormes, incapazes de agirem com o intelecto.

Pois bem, o homem em Shame é dirigido não por seu afeto ou por seu intelecto, mas por seu desejo desequilibrado – por isso o foco no pênis, no começo do filme. Brandon é uma espécie de “sujeito-produto” que seu tempo pôde criar, uma vez que consome o sexo e a pornografia como consome um produto. É verdade que o sexo – além de ser muito bom, obrigado – é também parte inerente a nós, seres humanos e sociais. O sexo é natural, sua prática é natural e saudável, e não há nada de errado com isso. O problema é que quando essa prática tão essencial à nossa existência encontra uma cultura que nos educa, acima de tudo, a sermos consumidores ao invés de indivíduos dotados de afeto e subjetividade é fácil que esta cultura produza sujeitos como Brandon: escravos do próprio desejo, movidos pelo consumo fácil do prazer; sujeitos mal resolvidos com a própria sexualidade e de comportamento compulsivo com o desejo, semelhante à compulsão dos que compram relógios e sapatos na tentativa de preencherem seus vazios existenciais, tristemente incapazes de lidar com suas demandas afetivas e relações sociais de maneira saudável.

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