AMOR, SUBLIME AMOR | UMA CARTA DE AMOR AO CINEMA.

O texto abaixo não contém spoilers sobre o filme “Amor, Sublime Amor”

“Clássicos não devem ser tocados”

Essa é a defesa de muitas pessoas que gostam de cinema, enquanto que outros, principalmente grandes estúdios, defendem que os remakes precisam ser feitos para atualizarem o público sobre histórias antigas. Há o que se debater em ambos os casos. 

Grandes filmes não podem ficar restritos apenas à bolha cinéfila e devem ganhar o mundo e a simpatia do público, seja através das plataformas de streaming, relançamentos em mídias físicas ou até mesmo no cinema para exibições especiais. 

Defender que os filmes devam ser atualizados pode indicar que peças importantes na história do cinema possam vir a ser esquecidas. 

O longa “Nasce uma Estrela” de Bradley Cooper é um show que arrebatou o público e a crítica, o hit Shallow na voz da protagonista Lady Gaga se tornou um enorme sucesso, ganhando diferentes versões. Mas nem por isso devemos nos esquecer da versão de Frank Pierson, em 1974, tampouco da de George Cukor, em 1954. O grande desafio ao se pensar em um remake, é: no que posso me diferenciar? Quais camadas não foram exploradas no anterior – ou nos anteriores – e nas quais posso mergulhar nesta versão?

Quando ainda era criança, Steven Spielberg ganhou de seu pai o álbum do filme musical “Amor, Sublime Amor” (1961), dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins, e ficou completamente encantado com a obra. Foi amor à primeira vista. Já diretor de cinema, Spielberg tentou recriar sua própria versão de Amor, Sublime Amor, sem muito sucesso durante algumas décadas. Em 2014, recebeu o sinal verde para começar a produção de West Side Story, que estreou nos cinemas em 2021.

Amor, Sublime Amor
Rachel Zegler e Ansel Elgort em cena de Amor, Sublime Amor (2021) Reprodução: Divulgação.

Em 1957, na cidade de Nova York, duas gangues rivais disputam o controle das ruas: os estadunidenses Jets e os porto-riquenhos, Sharks. No meio dessa disputa, um amor à la Romeu e Julieta surge: durante um baile, Tony, ex-líder dos Jets, se apaixona por Maria, irmã de Bernardo, o atual líder dos Sharks. O romance esquenta ainda mais a disputa entre os dois grupos.

Desde o anúncio da produção, muitas pessoas torceram o nariz para o fato de que mais um remake estava prestes a nascer para o mundo, mas é preciso lembrar que estamos falando de um diretor completamente apaixonado pela obra e um dos mais ecléticos possíveis. Spielberg foi do suspense com “Encurralado” ao drama com “A cor Púrpura”, passou pela comédia com “Louca Escapada” e ainda ganhou dois prêmios Oscar de Melhor Diretor com “O Resgate do Soldado Ryan”, um filme de guerra e o biográfico “A Lista de Schindler”. Ter Spielberg no comando da nova versão de West Side Story já é um indicativo que não veríamos mais do mesmo.

É verdade que Spielberg se manteve fiel a composições e algumas atmosferas, mas o diretor conseguiu imprimir um estilo próprio que o afasta do filme de 61. Não existem enquadramentos que aproximem o remake do original. A direção busca novos ângulos, com novos olhares sobre os acontecimentos e com destaque para a direção de fotografia, impecável ao captar detalhes como o brilho dos sapatos nas poças de água, o degrau da escada de incêndio na sacada do prédio ou os tecidos pendurados no apartamento de Bernardo (David Alvarez) e Anita (Ariana DeBose).

Amor, Sublime Amor
Ariana Debose como Anita em Amor, Sublime Amor
Reprodução: Divulgação.

Este afastamento não indica que o diretor queira fugir das comparações ou ignorar a obra anterior. A realidade é que ele cria conexões com o material original, inclusive trazendo Rita Moreno de volta. Ela, que na primeira versão interpretou a namorada de Bernardo, Anita, dessa vez volta como Valentina, dona da farmácia local que tem grande influência com o protagonista Tony. Vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel em 1962, Rita traz com sua nova personagem uma centralização de porto seguro para os garotos locais e, junto a Ariana DeBose, intérprete da personagem que foi sua no passado, entrega uma das cenas mais densas e fortes do longa.

Rachel Zegler, na pele de Maria entrega uma performance nada menos que emocionante com essa jovem sonhadora, aprisionada pelas ambições do próprio irmão que descobre um amor proibido e vive em um dilema que a leva por uma grande transformação ao longo do filme. Zegler, com apenas vinte anos de idade, consegue adaptar suas escolhas ao momento da personagem, torna-se o grande destaque do filme e desponta como uma das grandes promessas de Hollywood para os próximos anos. 

Seu parceiro de cena, Ansel Elgort também entrega uma performance convincente como Tony, o garoto que movimenta a vida de Maria. O destaque nessa relação fica também por parte da direção de fotografia que aposta em um jogo de luz e sombras pra desenhar o romance do casal, indicando que aquele conflito é imprevisível. Tudo terminará bem, ou muito mal?

Amor, Sublime Amor é um longa de duas horas e meia de duração, mas que trabalha tão bem todos os seus elementos, inclusive os musicais que movem a história adiante, que o público sequer sente que ficou tanto tempo frente à tela. Spielberg conseguiu atualizar com maestria uma história clássica, sem apagar o material original, mas trazendo sua visão de apaixonado pela obra e pelo cinema. 

A propósito, se fosse para definir o longa em uma única frase, esta seria: uma carta de amor de Steven Spielberg para o cinema.

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